O pecado é uma violação voluntária e livre da ordem estabelecida por Deus. Por isso mesmo, o pecado é uma desobediência a Deus, ou seja, uma ofensa a Ele, porque o homem prefere sua própria vontade à vontade divina, violando assim o direito imprescindível que Ele tem a nossa submissão: o pecado é, pois, um ato contra a justiça [1].
Para o pecado formal se requerem três condições:
- malícia do objeto;
- advertência do mal do objeto;
- consentimento da vontade a praticar o ato.
A primeira condição chama-se elemento objetivo do pecado; as demais, elementos subjetivos.
Do elemento objetivo, ato material do pecado, advém sua gravidade (o que trataremos abaixo). Os elemento subjetivos, ato formal do pecado, dizem respeito às potências espirituais da alma: a inteligência (advertência) e a vontade (consentimento). Só há pecado com a união do ato material com o formal.
Divisão
Quanto à gravidade, o pecado atual pode ser mortal ou venial. Alguns modernos (inclusos aí não raramente os protestantes) negam essa divisão, igualando assassinato com contumélia. Mas em contrário ensina a Escritura:
Se alguém vê seu irmão cometer um pecado que não o conduza à morte, reze, e Deus lhe dará a vida; isto para aqueles que não pecam para a morte. Há pecado que é para morte; não digo que se reze por este. Toda iniquidade é pecado, mas há pecado que não leva à morte (I Jo 5,16s).
O pecado venial é o ato que viola a lei em matéria leve ou, se o ato for em matéria grave, haja algum defeito nos elementos subjetivos (não se tem advertência plena ou não se consente perfeita e livremente). Tem esse nome porque não priva o homem da graça, embora debilite o espírito, fortaleça os vícios e enfraqueça as virtudes. É pecado de modo impróprio, como diz o Cardeal Pietro Parente:
O venial se chama pecado por analogia, por não ser uma aversão ao fim último, mas um atraso no caminho para ele (Diccionario de Teología Dogmática, negrito nosso).
O pecado mortal, por outro lado, é o ato que viola a lei em matéria grave. Tem esse nome porque mata a alma, privando o homem da graça e, consequentemente, da consecução do seu fim último, Deus Nosso Senhor. É essencialmente diverso do venial de modo que jamais um pecado venial pode se tornar mortal. Nesse sentido, ensinam os doutores:
Crime é o que merece condenação; pecado venial é, ao contrário, o que não a merece (Santo Agostinho, Homilia XLI super Ioan., destaques nossos).
Ora, crime é denominação do pecado mortal. Logo, o pecado venial se opõe convenientemente ao mortal (S.T., I-II, q. 88, a. 1, s.c.).
Para haver pecado mortal, uma vez que é um ato malicioso completo, as três condições têm necessariamente de ser perfeitas: malícia grave do objeto (desobediência em matéria grave); pleno conhecimento dessa malicia (perfeito uso da razão); deliberado consentimento no ato (livre exercício da vontade) [2]. Uma ação, para ser pecado mortal, exige um ato humano perfeito, ou seja, que o indivíduo aja com toda a potência de seu ser: com a inteligência e a vontade.
Consequências
O pecado venial tem como prejuízos o esfriamento da Caridade, tornando a alma propensa ao pecado mortal. O pecado venial acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte [3]. Esta purificação liberta da chamada pena temporal.
O pecado mortal, entretanto, acarreta em danos irreparáveis para o pecador, pois é um ato de rebeldia infinita (não pelo sujeito, mas pela dignidade do ofendido). São males do pecado mortal:
- perda da graça habitual: privação da amizade com Deus;
- suspensão dos merecimentos adquiridos [4];
- incapacidade em adquirir novos merecimentos;
- escravidão por parte dos vícios e do demônio;
- castigo nesta vida e na outra.
Quando o homem morre em estado de pecado, sem arrependimento sobrenatural dos seus crimes, ele é condenado para inferno (tratado em outros textos: V artigo, XI artigo e o XII artigo), onde será castigado. Isso é chamado de pena eterna.
Das penas do pecado
Como castigo, o pecado venial exige da divina justiça uma punição que é chamada de pena temporal. Para o pecado mortal, junta-se a essa punição uma outra, infinitamente mais dura e inquietante, a pena eterna.
A pena temporal são os castigos merecidos nesta vida. Recebe esse nome por ser finito e de realidade transitória. O homem paga essa dívida com as boas obras e os sofrimentos suportados por amor de Deus, ou seja, em estado de graça.
A pena eterna, por outro lado, dá-se de dois modos: a pena de dano e a pena dos sentidos.
- A pena de dano é o total afastamento de Deus. Não é um pena típica do pecado mortal, mas da privação da graça (o que se dá aos que morrem sem o Batismo, por exemplo). Contudo, esse afastamento de Deus tem efeitos diversos na alma, de acordo com os crimes cometidos ou não pelo sujeito [5].
- A pena dos sentidos são os atrozes sofrimentos do inferno, que são proporcionais aos atos que levaram a alma a tal fim (como falado aqui em relação à obscuridade dos corpos ressuscitados para o inferno). É a pena específica do pecado mortal.
A pena eterna só pode ser remida através do Sacramento da Penitência (ou pela contrição perfeita) que comuta a pena eterna para uma pena temporal. Uma vez transformada em pena temporal, podemos pagá-la nesta vida, pelos exercícios de piedade (oração), pelas mortificações (jejum) e pelas obras de misericórdia espiritual e corporal (esmola).
Dos pecados especiais
Os pecados têm gravidades distintas, de tal sorte que há aqueles que são tão graves que são impossíveis o arrependimento por parte do pecador e, portanto, são imperdoáveis.
Esses atos são chamados pecado contra o Espírito Santo, pois são cometidos por pura malícia, o que é contrario à bondade que se atribui ao Espírito Santo.
Por isso, Eu vos digo: todo pecado e toda blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não lhes será perdoada (Mt 12,31s).
A lista desses pecados é a seguinte:
- desesperar da salvação;
- presunção de se salvar sem merecimentos;
- combater a verdade conhecida como tal;
- ter inveja das graças que Deus dá a outrem;
- obstinar-se no pecado;
- morrer na impenitência final.
Os dois primeiros são pecados contra a Esperança. O terceiro é contra a Fé no mais alto grau, pois não só a despreza como a combate. O quarto é um pecado de soberba e os últimos são pecados contra a Caridade.
Depois da malicia máxima que encerra os pecados contra o Espírito Santo, há os pecados que, embora não sejam imperdoáveis, são os mais graves dentre os remissíveis.
Diz-se que estes pecados pedem vingança a Deus, porque o diz o Espírito Santo e porque a sua malícia é tão grave e manifesta que provoca o mesmo Deus a puni-los com os mais severos castigos neste mundo e no outro.
Abaixo a lista desses pecados:
- homicídio voluntário;
O Senhor disse-lhe: ‘Que fizeste! Eis que a voz do sangue do teu irmão clama por Mim desde a terra’. (Gn 4,10).
- pecado impuro contra a natureza;
Onã, que sabia que essa posteridade não seria dele, maculava-se por terra cada vez que se unia à mulher do seu irmão, para não dar a ele posteridade. Seu comportamento desagradou ao Senhor, que o feriu de morte também (Gn 38,9s).
- opressão dos pobres, órfãos e viúvas;
Não prejudicareis a viúva e o órfão. Se os prejudicardes, eles clamarão a Mim e Eu os ouvirei; minha cólera se inflamará e vos farei perecer pela espada; vossas mulheres ficarão viúvas e vossos filhos, órfãos (Ex 22,22ss).
- não pagar o salário a quem trabalha.
Não prejudicarás o assalariado pobre e necessitado, quer seja um de teus irmãos, quer seja um estrangeiro que mora numa das cidades de tua terra. Dar-lhe-ás o seu salário no mesmo dia, antes do pôr-do-sol, porque é pobre e espera impacientemente a sua paga. Do contrário clamaria contra ti ao Senhor, e serias culpado de um pecado (Dt 24,14s).
Eis que o salário, que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos, clama, e seus gritos de ceifadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos (Tg 5,4).
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Notas
[1] Impropriamente a culpa original é chamada de pecado o que pode gerar uma confusão, assunto tratado aqui. Tratamos neste texto do pecado atual, transgressão feita voluntariamente pelo homem chegado à idade da razão (sete anos completos).
[2] Um pecado cuja matéria é leve, pode toma-se mortal por uma subjetividade afetada. Para pecar mortalmente basta a suposição, mesmo errônea, que tal ato é pecado: nesse caso tem-se a formalidade, a intenção de cometer o que se pensa ser um pecado mortal. Em resumo, o esquema pode esclarecer:
- ato material e formalmente bons ⇒ não há pecado;
- ato material e formalmente maus ⇒ há pecado;
- ato materialmente bom, mas formalmente mau ⇒ há pecado;
- ato materialmente mau, mas formalmente bom ⇒ há pecado.
[3] O outro mundo falado aqui é o purgatório, tratado aqui.
[4] Os merecimentos são conquistados pelo mérito, como explicado. Como esses merecimentos são de ordem sobrenatural, ficam suspensos com a perda do organismo sobrenatural, ou seja, a graça habitual; contudo podem ser revividos com a volta dele, como visto na Penitência.
[5] O Magistério da Igreja ensina que as crianças que morrem sem o Batismo, ou seja, sem cometer pecado, não podem se salvar, mas tem por destino o limbo. O Magistério também ensina que nele, o limbo, as alma não sofrem, embora padeçam da pena de dano (elas não veem a Deus), mas têm uma felicidade natural baseada na Fé (como falado aqui).
O mesmo não se pode dizer da alma condenada. A pena de dano, para ela, é um sofrimento infinitamente maior que a pena dos sentidos, precisamente porque, por culpa e escolha livre sua, preferiu rejeitar o Sumo Bem.