Após investigarmos a base da Fé, o Credo católico, passaremos a outro componente da religião, os meios de santificação [1], ou seja, como Deus Nosso Senhor nos nutre com a seiva da graça. Assim, para nos dar a justificação, fruto principal do Santíssimo Sacrifício da Cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu os Santos Sacramentos por que toda verdadeira justiça começa, ou, se já começada, aumenta; e, se perdida, é reparada.
Sacramento, do latim sacramentum, quer dizer mistério; era usada pelos Padres da Igreja para designar coisa oculta ao olhar. Entretanto, no sentido usado corriqueiramente pelos Santos Doutores, Sacramento são certos sinais sensíveis que produzem a graça, ao mesmo tempo em que a simbolizam exteriormente e a tornam quase que visível. Segundo São Gregório Magno, “pode-se chamar de mistérios (Sacramentos) porque a onipotência divina neles opera ocultamente a salvação, sob o véu de coisas corpóreas”; e segundo santo Agostinho: “Sacramento é o sinal de uma coisa sagrada; é o sinal visível de uma graça invisível, instituído para nossa justificação”. Esta mesma doutrina é confirmada pelo Concílio de Trento.
De maneira geral, Sacramento é um sinal sensível e eficaz instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo para nossa salvação (comunicar a graça). Assim, tratar-se-á adiante dessas características sacramentais: sinal, eficácia, instituição e escopo. Além desses conceitos que compõem a rica doutrina dos Sacramentos, também haveremos de expor, noutro texto, outras duas importantes noções: ministro e sujeito.
Sinal
Sinal é a materialização de algo imaterial ou a representação de algo material. Nas palavras de Santo Agostinho é aquilo que, além de atuar por si em nossos sentidos, nos leva também ao conhecimento de outra coisa concomitante. Pela própria natureza, todo sinal é sensível, ou seja, perceptível pelos sentidos.
O Catecismo Romano fala de sinal natural, humano e divino. Como exemplo do natural, pode-se citar a fumaça, sinal do fogo. Do humano, a cor vermelha como sinal de advertência. Entre os sinais divinos encontram-se os Sacramentos.
As partes sensíveis e, por isso, essenciais para a confecção de qualquer Sacramento são a matéria (elemento e parte indeterminada) e a forma (fórmula e parte determinante)[2]. Ensina o Apóstolo: “Purificando pela água (matéria) do batismo com a palavra (forma)” (Ef 5,26). Pelo exposto, é a fórmula sacramental que dá sentido à matéria empregada na administração dos Sacramentos.
Por fim, os escolásticos diferenciam na matéria a remota e a próxima. Esta é o elemento propriamente dito (água, no Batismo); aquela é a aplicação concreta do elemento (ablução da cabeça pela água).
A união moral da matéria e da forma é que constitui o sinal sensível sacramental.
Eficácia
Não tratamos aqui do efeito mesmo dos Sacramentos, a graça, mas tão somente da condição de validade. Os teólogos afirmam, corroborados pela Igreja, que os Sacramentos agem ex opere operato (do ato da administração). Assim, não influenciam a validez a santidade da alma de quem confere ou de quem recebe [3]. Esta eficácia intrínseca diz respeito à graça essencial do Sacramento, não às anexas.
Igualmente, também a Fé do que opera o Sacramento (ou de quem recebe) não influencia sua ação eficaz. Os donatistas (heresia de Donato, Bispo da Numídia e posteriormente de Cartago, no século IV) pregavam que a fé e a santidade dos ministros seriam necessárias para a validade sacramental. Tal doutrina foi veementemente combatida por Santo Agostinho e totalmente condenada pela Igreja.
Entretanto, a causa eficiente dos Sacramentos não está em si mesmos, pois aí o efeito excederia a causa. A Paixão de Nosso Senhor é a causa eficiente da graça e os Sacramentos são causa instrumental. São, por isso, meios ordinários da graça, mas nunca únicos (cf. Jo 3,8) e a ação divina não se limita a eles. Decerto, contudo, a Igreja ensina igualmente que não devemos buscar o extraordinário.
Em cada Sacramento, afirma o Catecismo Romano, existe uma tríplice virtude de santificar: primeiro, recorda um fato passado: a Paixão de Cristo; depois, assinala um acontecimento presente: a santificação; por último, anuncia um futuro: bem-aventurança eterna.
Graça
Graça é o influxo gratuito [4] dado por Deus pelos méritos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo com vista à salvação.
Deste modo, a graça pode ser habitual (chamada comumente santificante), quando o influxo é permanente; e concede: a justificação, as virtudes teologais, os dons do Espírito Santo, as virtudes morais espirituais. Também pode ser atual, quando o influxo é transitório, ilumina a inteligência ou move a vontade para que se evite o mal e faça o bem [5].
A graça santificante é chamada primeira, quando é dada à alma ainda em estado de pecado (seja original ou pessoal) ou segunda, quando é dada à alma que já goza da graça, aumentando, portanto, o estado de graça.
São os Sacramentos, como já dito, meios ordinários por que Deus concede Sua graça e cada qual concede graças particulares relacionadas ao escopo pelo qual Nosso Senhor os instituiu; a essa graça dá-se o nome de graça sacramental [6].
Número e divisão sacramental
O Concílio de Trento afirma:
Os Sacramentos da Nova Lei foram todos instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo; e são sete, não mais ou menos, a saber: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Extrema-unção, Ordem e Matrimônio (cf. Concílio de Trento, 1547, cf. Denz. 844, destaques nossos).
É possível fazer um paralelo entre a vida espiritual e a vida material e assim esclarecer o porquê desse número: para viver, conservar-se, levar uma vida útil a si e a sociedade, precisa o homem nascer; crescer; nutrir-se; curar-se quando adoece; recuperar as forças perdidas; ser guiado na vida social por chefes revestidos de poder e autoridade; conservar-se a si e ao gênero humano pela legítima propagação da espécie. É exatamente fazendo essa relação, que inferimos os modos pelos quais a alma vive.
Vida natural | Vida sobrenatural |
Nascimento | Batismo |
Crescimento | Confirmação |
Alimento | Eucaristia |
Remédio | Penitência |
Auxílio | Santa Unção |
Governo | Ordem |
Procriação | Matrimônio |
De acordo com o efeito geral dos Sacramentos, eles são classificados em dos vivos e dos mortos:
- Sacramentos dos vivos conferem a graça segunda e, por isso, não podem ser recebidos sem culpa de sacrilégio por aqueles que estejam em pecado; são eles: Confirmação, Eucaristia, Santa Unção, Ordem e Matrimônio.
- Sacramentos dos mortos conferem a graça primeira e têm especial importância para santificação; são eles: Batismo e Penitência.
De modo algum pode-se afirmar que todos os Sacramentos são iguais em importância. O Sacramento mais necessário para a salvação é o Batismo:
Quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus (Jo 3,5).
Logo após vem o Sacramento da Penitência, para os que pecam depois de batizados. Não se pode negar a importância da Ordem e do Matrimônio na manutenção da Igreja e da sociedade.
Contudo, em dignidade, o Sacramento da Eucaristia sobrepuja todos os demais, pois, no dizer de Santo Tomás, “não só confere a graça, mas o Autor da graça, Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Por fim, é preciso afirmar, com o Tridentino, que alguns Sacramentos imprimem uma marca espiritual indelével, chamado pelos teólogos de caráter (cf. Denz. 852). Por essa razão, eles não podem ser reiterados; são eles o Batismo (prepara a alma a ser capaz da graça), a Confirmação (plenifica a capacidade da alma para a graça) e a Ordem (torna a alma capaz de agir em nome de Cristo, como Seu ministro).
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Os Sacramentos foram instituídos, entre outros motivos, por causa de nossa fragilidade, que precisa de coisas sensíveis para se elevar à contemplação das celestes: “Conhecendo a Deus visivelmente, por Ele sejamos arrebatados ao amor do invisível” (Prefácio do Natal).
Pelos Sacramentos, cresce a Esperança nas promessas divinas e nos salutares efeitos da Paixão de Cristo; eles unem os fiéis entre si, distinguindo-os dos infiéis; manifestam exteriormente a Fé impressa na alma; incentivam, enfim, a Caridade fraterna, pois a participação dos mesmos Mistérios, obrigam os fiéis à submissão aos elementos sensíveis, em obediência a Deus, de Quem se haviam impiamente separado, exercitando também a humildade.
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Notas
[1] Após expormos as coisas que devemos crer, a Fé, passamo aos meios ordinários, ou seja, os instrumentos os quais quis Deus fossem os adequados para a salvação. Os Sacramentos se ligam intimamente à virtude da Esperança.
[2] Um pouco mais sobre o hilemorfismo pode ser lido aqui.
[3] Um aprofundamento sobre a eficácia dos Sacramentos pode ser lido aqui.
[4] A gratuidade não significa total passividade de nossa parte em relação à salvação e às boas obras. Pensar assim seria o mesmo que cair no erro calvinista. Contudo, não se pode afirmar nenhuma conduta que seja merecedora por si da graça. Isso seria o erro semipelagiano. A teologia católica é clara quanto à doutrina do mérito.
Mérito é direito ao recebimento do prêmio devido a um ato consumado (o contrário é demérito) e apenas pode ser adquirido no estado de via (ou viador, ou seja, em vida). Pode ser:
- condigno: quando o ato tem a mesma proporção do prêmio. Em relação à graça, apenas os atos de Nosso Senhor são condignos aos efeitos sobrenaturais.
- justiça: quando o ato não tem proporção com o prêmio, mas ele é dado por uma promessa da parte de Deus (a liturgia e os Padres chamam de commercium).
- côngruo: quando o ato não tem proporção com o prêmio, mas é dado por pura bondade e liberalidade divina e se funda na amizade que une a Deus.
[5] Alguns teólogos chamam também de organismo sobrenatural: a graça santificante é ordenada à alma espiritual; a as virtudes e dos dons do Espírito Santo são ordenados às potências da alma; e a graça atual se ordena às potências naturais racionais.
Mais sobre a graça pode ser lido aqui e sobre os dons aqui.
[6] Discute-se qual a natureza da graça sacramental: se é uma graça diversa das que foram explicadas no tópico (habitual e atual), se é um robustecimento da graça habitual ou robustecimento da graça atual. Seguindo o que parece propor Santo Tomás e os cardeais Bilot e Parente, dizemos que a graça sacramental é a adaptação e fortalecimento de todo o organismo sobrenatural para que a alma alcance o fim específico de cada Sacramento, sendo, em certo sentido, o direito aos subsídios.