Hábito (costume) é uma predisposição a realização de certos atos por causa de sua frequente repetição. Essa tenência pode tornar-se tão forte que faz no homem como uma segunda natureza, como já dizia Aristóteles.
Aos hábitos bons chamamos de virtude e aos hábitos maus, vícios.
Virtudes
A virtude é um hábito bom, vem do latim virtus (que por sua vez vem de vir, homem) “força”, precisamente porque trilhar o caminho da virtude exige do homem uma força de vontade de ir contra os apetites desordenados.
A virtude pode ser dividida de duas maneiras. Segundo a origem: infundidas por Deus ou adquiridas através de atos naturais. E segundo o objeto: podem ser teologais (se elas se referem a Deus de maneira imediata e direta; como a Fé) ou morais (se elas se referem à honestidade dos atos, seja em relação a Deus, como a religião, seja ao homem, como a humildade).
As virtudes teologais são três e têm a Deus como objeto, pois Ele é a suma Verdade (virtude da Fé), sumo Bem (virtude da Esperança) e sumo Amor (virtude da Caridade).
As virtudes teologais são, por sua própria natureza, sempre infusas. As morais, por sua vez, são, ordinariamente, adquiridas [1].
Virtudes teologais
As três virtudes teologais são infusas por Deus na alma no Batismo (ao menos ordinariamente). A virtude da Fé foi alvo de um texto nesta seção.
Fé
A Fé é a virtude sobrenatural infusa por que cremos firmemente em todas as verdades reveladas por Deus e propostas pela Igreja. É a virtude fundamental: “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11,6).
Perde-se a Fé negando ou duvidando voluntariamente [2], ainda que seja de um só artigo que nos é proposto para crer. A perda da Fé é um dos pecados mais graves porque “quem não crer será condenado” (Mc 16,16). Como virtude fundamental, com a perda da Fé, perdem-se todas as virtudes infusas.
Esperança
A Esperança é a a virtude sobrenatural infusa por que esperamos alcançar de Deus a remissão dos pecados e, consequentemente, a vida eterna, pelos meios ordinários para consegui-la, confiando-nos na imensa misericórdia de Deus. É fundamentada na Fé (cf. Hb 11,1) e sem a qual não se pode amar a Deus.
Perde-se a Esperança toda vez que se perde a Fé, que lhe é fundamento, ou pelo pecado de desespero, repulsa da confiança em Deus (como se Ele pudesse mentir ou enganar-Se); também pelo pecado da presunção, em que se espera a salvação sem levar em conta os meios ordinários prescritos.
Caridade
A Caridade é a virtude sobrenatural infusa por que amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo causa de Deus.
Só subsiste a Caridade na alma de quem tem a Esperança e a Fé, pois não ama a Deus que não confia nEle (desespero) ou não se submete aos meios designados por Ele (presunção). Todo pecado vai contra a Caridade, pois é ela o fundamento da lei.
Virtudes morais
São inúmeras e adquiridas por repetições, como já explicado. Não têm relação direta com a Fé, de modo que até um ateu ou pagão pode ser virtuoso (das virtudes morais).
As virtudes morais podem ser resumidas nas virtudes cardeais (do latim cardinalis “gonzo, pivô, importante”), pois são o fundamento ao qual se reduzem todas as virtudes morais, como ensina Santo Tomás:
E portanto, as virtudes que implicam a retidão do apetite, consideram-se principais. Ora, tais são as virtudes morais; e entre as intelectuais, só a prudência, que contudo de certo modo é moral pela sua matéria, como do sobredito resulta. E portanto, entre as virtudes morais, colocam-se as chamadas principais ou cardeais (S.T., I-II, q. 61, a. 1, resp., destaques nossos).
São quatro as virtudes cardeais, a saber: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança:
As virtudes de que ora tratamos têm quádruplo sujeito: o racional por essência, que a prudência aperfeiçoa; e o racional por participação que comporta tríplice divisão: à vontade, sujeito da justiça, o concupiscível, sujeito da temperança; e o irascível, sujeito da fortaleza (S.T., I-II, q. 61, a. 2, resp., destaques nossos).
A prudência é a virtude que dirige toda ação ao devido fim. É a principal das virtudes morais porque colabora com a razão, pois a finalidade das coisas é conhecida pela inteligência.
A justiça é a virtude pela qual se concede aquilo que é devido (quando se relaciona com Deus, faz com o homem queira dar a Deus a adoração: religião). É a virtude dos piedosos. Por isso está ligada à vontade, pois ela, auxiliada pela razão, quer conferir em acordo com os merecimentos.
A fortaleza é a virtude que se firma para não recuar diante do temor dos perigos (quando se relaciona com Deus, faz com que o homem não tema as adversidades pela servidão a Deus). É a virtude dos mártires. Ela auxilia o apetite irascível a resistir às dificuldade que se opõe ao que é conveniente.
A temperança é a virtude que reprime a inclinação ao prazer desonesto. É a virtude dos pobres em espírito. Ampara o apetite concupiscível para propender ao que é razoável.
Assim, pois, a justiça regula as nossas relações com o próximo; a fortaleza e a temperança, as relações conosco; a prudência dirige as outras três virtudes [3].
Vícios
O vício é um mau hábito, mas não é o pecado em si. A diferença entre ambos é que o pecado é um ato que passa, enquanto que o vício é o hábito contraído que pode levar o sujeito a cair em algum pecado. Então, nem sempre o vício constitui pecado (mais na frente será a analisado a influência do hábito na moralidade).
Entre os inúmeros vícios morais, a Igreja destaca sete [4], denominando-os de capitais (do latim capitalis “cabeça”) porque são a fonte e a causa de muitos outros vícios e pecados. Como já foi falado, a concupiscência é a inclinação de desejar com excesso o prazer dos sentidos. Há, como ensina o Apóstolo, três espécies de concupiscência:
Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (I Jo 2,16).
A concupiscência da carne é o afeição desordenada aos prazeres dos sentidos. Gera a gula, a acídia (ou preguiça) e a luxúria. A concupiscência dos olhos é a afeição desordenada aos bens exteriores. Gera a avareza. Por fim a soberba da vida é a tendência de o homem considerar-se autossuficiente (essa é a tendência mais perigosa moralmente, pois é um mal do espírito). Gera a soberba (ou orgulho), a inveja e a cólera (ou ira injusta) [5].
A soberba é o desejo desordenado da própria superioridade. Por ser uma tendência da inteligência, os Anjos também padecem desse mal, que foi a causa da revolta de Lúcifer. É combatida pela virtude da humildade, conexa à justiça.
A inveja é o desejo desordenado pelo bem alheio considerado como diminuição de sua própria excelência [6]. Está completamente ligado à soberba. É combatida pela virtude da bondade, conexa com Caridade.
A ira é o desejo desordenado da vingança. Por vezes se dá por conta da soberba por considerar-se mais digno a quem de fato é-lhe superior [7]. É combatida pela virtude da paciência, conexa com a fortaleza.
A avareza é o desejo desordenado dos bens terrenos. Não é um vício apenas dos ricos, embora seja, por vezes, mais presente neles, como diz o Senhor: “Em verdade vos declaro: é difícil para um rico entrar no Reino dos céus” (Mt 19,23). É combatida pela virtude da liberalidade, conexa à Caridade.
A luxúria é o desejo desordenado dos prazeres sexuais. Dela será mais discorrida no texto sobre o VI Mandamento. É combatida pela virtude da castidade, conexa com a temperança.
A gula é o desejo desordenado dos prazeres da comida e da bebida. É pecado mortal quando leva à embriaguez total [8]. É combatida com a virtude da temperança.
A acídia é o enfraquecimento da vontade pelas coisas espirituais por causa do esforço que as acompanha. Acarreta numa falta de ânimo em lutar contra o peso das coisas terrenas e elevar-se às coisas do alto. É pecado quando faz com que falte o cumprimento das obrigações de estado. É combatida pela virtude da diligência, conexa com a temperança.
________________
Notas
[1] Podem, entretanto, ser infusas, principalmente através dos Sacramentos, quando se relacionam a Deus (como a virtude da religião).
[2] Ainda em outro texto falaremos do ato humano e da necessidade da vontade para que o pecado se concretize.
[3] É conveniente destacar que não existe meio termo nas virtudes teologais. Porque no que tem “meio termo, podemos pecar por excesso ou por defeito. Ora, em relação a Deus, objeto da virtude teológica, não podemos pecar por excesso” (S.T., I-II, q. 64, a. 4, s.c.). E a Escritura diz: “Bendizei o Senhor, exaltai-O com todas as vossas forças, pois Ele está acima de todo louvor” (Eclo 43,33).
Quanto mais se crê em Deus, tanto mais se deve. O mesmo seja dito na confiança e no amor para com Ele. Nunca são suficientes.
O famoso aforismo, virtus in medio est, diz respeito, portanto, apenas às virtudes morais. O meio delas é precisamente a prudência (cf. S.T., I-II, q. 64, a. 2).
[4] São eles: a soberba, a inveja, a ira, a avareza, a luxúria, a preguiça e gula.
[5] Todas essas afeições e tendências são naturais ─ e às vezes necessárias ao homem. O que tornam-nas más ou moralmente perigosas é a desordem que pode surgir delas.
[6] Não se deve confundir a inveja com o ciúme, que é o amor excessivo ao bem e o receio de perdê-lo. Principalmente, não se deve confundi-la com a emulação, que é um sentimento louvável e desejável, porque leva o homem a imitar, igualar ou mesmo superar, por meios justos, os bens (espirituais e materiais) do próximo.
[7] Portanto, existe a ira justa, que consiste na indignação por causa de mal feito ou na exigência pela justa punição dele. É o que fez Nosso Senhor ao expulsar os vendilhões do Templo.
[8] A gula também se relaciona como desejo de consumir outros tipos de entorpecentes (drogas como maconha, cocaína etc.). Moralmente, aplica-se o mesmo princípio que o da bebida, sendo pecado mortal se priva o usuário da razão.
A mesma ideia, entretanto, não se pode usar para drogas ilícitas, mesmo que moralmente se use do princípio exposto acima. Isso porque a compra e consumo das drogas ilícitas são um ato contra o IV Mandamento (desprezo à autoridade e a lei instituída poe ela) e contra o V Mandamento (trato e financiamento de traficantes).