O quarto Sacramento é a Penitência, também conhecido como Confissão. Ganhou esse nome porque na antiguidade seu ponto mais notório eram as duras penitências públicas impostas aos fiéis [1], como pode ser lido já no século II em Santo Irineu de Lião (cf. Contra as hereias, I 6,3).
A Penitência, enfim, é o Sacramento que perdoa os pecados cometidos depois do Batismo, mudando para temporal a pena eterna [2].
Como nossa natureza foi essencialmente atingida pela concupiscência [3], nem sempre nos mantemos fiéis às promessas e à Fé que abraçamos no nosso Batismo, as quais se aperfeiçoaram e cresceram na Confirmação e são nutridas pela Eucaristia. Por esse mesmo motivo, a Penitência é, depois do Batismo, o Sacramento mais indispensável à salvação.
Que este Sacramento é de instituição divina podemos provar aqui:
Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos’ (Jo 20,22s).
Não será pecado dizer que eles receberam o poder da graça espiritual, não para ressuscitar os mortos ou realizar milagres, mas para perdoar pecados (São João Crisóstomo, séc. IV, In Evang. hom. 26).
Eis que eles [os Apóstolos] não apenas recebem a certeza de si mesmos, mas também a magistratura do julgamento supremo, de modo que, agindo como Deus, eles retêm alguns de seus pecados e perdoam os outros! Na Igreja, agora são os Bispos que ocupam seu lugar (São Gregório Magno, séc. VI, In Evang. hom. 26).
Além de Sacramento, a Penitência é um ato jurídico (o que é consenso unânime entre os teólogos). Neste ato, o confessor é o juiz e o fiel, o réu. Desse modo, o confessionário é um tribunal em que o réu tem certeza de sair absolvido, se lá entra com boas e santas disposições.
É precisamente aí que reside a razão da obrigação da confissão, pois o poder de perdoar pecado tem que ser exercido ao modo de juízo. E um juízo prudente e sábio não pode ser proferido sem prévio conhecimento da causa (pecados). A causa, por sua vez, não pode ser conhecida sem a confissão do penitente (só ele realmente conhece o próprio pecado e malícia). Que Nosso Senhor quis a confissão dos pecados também se depreende da obrigação que todos — até o mais alto do clero — têm de confessar os pecados [4].
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- Os efeitos da Penitência:
A infusão da graça santificante primeira ou segunda, ou seja, a reconciliação com Deus e com a Igreja, ofendidos pelo pecado. A remissão da pena eterna devida ao pecado e comutação para pena temporal [5]; a diminuição ou o cancelamento da pena temporal conforme a intensidade e perfeição da contrição; a restituição dos merecimentos perdidos pelo pecado.
A graça sacramental é o direito aos subsídios necessários para uma verdadeira e humilde contrição de alma.
- Matéria:
Remota [6]: os pecados cometidos pelo penitente.
Próxima [7]: os atos do penitente, ou seja, a contrição[8], a acusação e a satisfação [9].
- Forma: [10]
MISERICÓRDIA DE TI TENHA O DEUS ONIPOTENTE, PERDOE OS TEUS PECADOS E CONDUZA-TE À VIDA ETERNA. AMÉM. INDULGÊNCIA, ABSOLVIÇÃO E REMISSÃO DOS TEUS PECADOS, CONCEDA-TE O SENHOR ONIPOTENTE E MISERICORDIOSO. AMÉM. O SENHOR NOSSO JESUS CRISTO TE ABSOLVA E EU, POR SUA AUTORIDADE TE ABSOLVO DE TODO VÍNCULO DE EXCOMUNHÃO E INTERDITO EM QUANTO POSSO E TU NECESSITAS. ENTÃO EU TE ABSOLVO DOS TEUS PECADOS EM NOME DO PAI E DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO. AMÉM. [11]
- Ministro:
O sacerdote como a devida jurisdição [12]. Em perigo de morte, o Direito da Igreja afirma que qualquer sacerdote, mesmo excomungado, absolve válida e licitamente de qualquer censura ou pecado.
- Sujeito:
Qualquer batizado que tenha caído em pecado, segundo o que já foi explicado. É mui recomendável, para a liceidade, que o penitente faça um exame de consciência a fim de que não se esqueça de dizer algum pecado em respeito da graça do perdão [13].
A Igreja obriga a todo fiel confessar-se ao menos uma vez por ano, independente de ter a consciência limpa de pecado mortal.
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Indulgências
As indulgências são a remissão das penas temporais devidas aos pecados já perdoados quanto à culpa que a suprema autoridade da Igreja dispõe do seu Tesouro espiritual [14], como ensina o Concílio de Trento (cf. Denz. 989, 998). Podem ser conseguidas para si ou para os defuntos como sufrágio (ninguém pode lucrar indulgências a favor de outras pessoas vivas).
Como já explicado, o pecado além de impor a pena da culpa, também impõe a pena temporal. Essas penas aumentam quando se recebe o perdão dos pecados através da Penitência, como dito acima. Desse modo, a Igreja, Mãe indulgente, concede para que seus filhos já aqui neste século possam remir suas dívidas e gozar logo do céu.
Atualmente, as indulgências podem ser parcial, se liberta em parte a pena temporal, ou plenária, se liberta totalmente.
As condições gerais para se lucrar indulgências são:
- ser batizado;
- não estar excomungado;
- encontrar-se em estado de graça, pelo menos no fim das obras prescritas;
- ter intenção, ao menos geral, de ganhar a indulgência, segundo o teor da concessão.
As condições para se lucrar indulgência plenária, chamadas de condições ordinárias, são (só de pode lucrar uma vez a cada dia, a não ser em perigo de morte):
- repulsa de todo o afeto a qualquer pecado até venial;
- confissão sacramental;
- comunhão eucarística;
- rezar nas intenções do Sumo Pontífice [15].
Contrição perfeita
A contrição perfeita já foi explicada na nota 8. É a detestação ao pecado por causa do amor que se deve a Deus. O pecado, sendo um desobediência, é um ato contra a Caridade [16], pois o pecador nega seu amor a Deus sobre tudo. Então, tendo o pecador se arrependido de sua prevaricação por causa do amor a Deus, isso só é possível porque ele já tem em si a Caridade.
Desse modo, a contrição perfeita, obra da Caridade, justifica o pecador, mesmo fora do Sacramento da Penitência [17], como está escrito:
Por isso te digo: seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela muito amou. Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama. E disse a ela: Perdoados te são os pecados (Lc 7,47s).
Todavia, ninguém pode ter certeza de ter alcançado a contrição perfeita e, portanto, ela não escusa o penitente de se confessar tampouco lhe dá os direitos ordinários de quem está em estado de graça [18]. Finalmente, é contra o ensinamento da Igreja que se use da contrição perfeita como escusa de recorrer ao confessionário.
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Notas
[1] Hoje o nome se origina do ato mesmo do relato dos pecados, que parece ser o mais difícil para os fiéis.
[2] Ver nota 2 do 5º artigo do Credo.
[3] São as penas do pecado de nossos primeiros pais, o pecado original, o qual pode ser lido aqui.
[4] Para que não torne a confissão dos pecados mais odiosa, a Igreja torna o sigilo sacramental inviolável, proibindo quebrá-lo sob qualquer hipótese e de qualquer forma, a não ser por licença expressa dada livremente pelo próprio penitente (ou se o confessor conhecer os pecados por outra via).
O sacerdote que viola diretamente o sigilo sacramental incorre em excomunhão latæ sententiæ (automática) reservada à Sé Apostólica; também o intérprete e outros que violem o segredo são punidos com justa pena, não excluída a excomunhão (cf. CDC, cân. 1388).
[5] Razão pela qual o confessor impõe um ato de reparação, chamado de satisfação (penitência).
[6] A matéria da Penitência é chamada por Santo Tomás de «quase matéria»; contudo, como explica o Catecismo Romano, não porque não seja realmente a matéria do Sacramento, mas porque não constitui uma coisa física real, como a água ou o óleo.
Ainda sobre a matéria, podemos distinguir: matéria suficiente (qualquer pecado já cometido pelo fiel, mesmo que já tenha sido perdoado), matéria necessária ou obrigatória (todos e cada um dos pecados mortais ainda não acusados) e matéria facultativa (os pecados veniais).
[7] Essas atos são a matéria próxima segundo Santo Tomás (embora na prática, para certas ocasiões bem específicas, a Igreja pareça ter outra opinião). Os scotistas afirmam que esses atos são condições para se alcançar a absolvição.
[8] Contrição é o arrependimento, ou seja, a dor e o ódio aos pecados cometidos. Ela pode ser:
- natural, se o arrependimento é causado por motivos naturais, como vergonha do julgamento social, medo da lei do estado etc.
- sobrenatural, se o arrependimento é causado pela Fé. Ela ainda pode ser:
- imperfeita: também chamada de atrição, é a dor sobrenatural relativa a nós mesmos (como se arrepender por medo do inferno);
- perfeita: a dor é causada pela Caridade a Deus, que pode ser considerando tudo o que Ele nos prodigaliza ou, ainda mais perfeitamente, porque Ele é Deus sumo, infinito e perfeitíssimo bem, digno de toda dileção.
Para a validade do Sacramento da Penitência requer-se a contrição sobrenatural, ou seja, a atrição unida à confissão é suficiente para a justificação.
Faz parte da contrição sobrenatural o propósito, que é a vontade firme de se emendar e não voltar a pecar. Tanto o propósito como a contrição devem ser universais, ou seja, referir-se a todos os pecados mortais (que são a matéria obrigatória).
Para o perdão dos pecados veniais, contudo, se requer apenas a atrição sobrenatural.
[9] A acusação é a confissão dos pecados feita a um sacerdote aprovado, para obter dele a absolvição. Ela tem que ser verdadeira e íntegra (não se pode mentir em matéria necessária e deve ser, ao menos, de todos os pecados mortais cometidos depois do Batismo e ainda não confessados), direta e objetiva.
A satisfação, também chamada de penitência, por sua vez, é a obrigação imposta pelo confessor ao penitente. Tem como finalidade reparar a ofensa feita a Deus e à Igreja, obtendo assim a remissão da pena temporal. O fiel é, pois, obrigado a ter a intenção, no ato sacramental, de realizar a satisfação imposta, para receber validamente o perdão dos pecados.
[10] A fim de comparação e enriquecimento, expomos aqui a forma da Penitência no rito Bizantino:
Que Nosso Senhor e Deus, Jesus Cristo, pela graça e generosidade de Seu amor pelo homem, te perdoe, meu filho N., todas as tuas transgressões. E eu, um indigno sacerdote, pelos poderes que por Ele me foram dados, te perdoo e te absolvo de todos os teus pecados.
Na reforma, Paulo VI, a forma foi mudada para:
Deus Pai de misericórdia, que pela Morte e Ressurreição de Seu Filho, reconciliou o mundo conSigo e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
[11] É suficiente para a validade: «Eu te absolvo dos teus pecados».
[12] Como dito acima, a Penitência é Sacramento e ato jurídico. Enquanto o primeiro, necessita de todos os requisitos sacramentais (matéria, forma, ministro e sujeito); enquanto segundo, necessita da jurisdição a fim de que seja um verdadeiro ato judicial, uma vez que é um verdadeiro julgamento.
Parece, principalmente após o Concílio Vaticano II, que o Bispo sempre absolve validamente.
[13] Na Penitência o sujeito tem participação diferenciada, pois é dele que partem os atos que constituem a matéria do Sacramento. Por isso é muito importante que o penitente peça a Deus a graça da contrição, tenha conhecimento dos tipos de pecados, suas circunstâncias e número para que os possa acusar e tenha ao menos a intenção atual de realizar a satisfação. Uma displicências nesses atos pode tornar o Sacramento inválido.
[14] Pela própria definição, é doutrina da Igreja que a indulgência não perdoa os pecados, antes pressupõe o perdão. Cai, portanto, por terra a acusação do heresiarca Lutero contra a Igreja como escusa de sua revolta.
[15] Por intenções do Santo Padre entende-se: a exaltação da Mãe Igreja, a propagação da Fé, a extirpação das heresias, a conversão dos pecadores e a paz e concórdia entre os países cristãos e outras necessidades do catolicismo.
[16] A Caridade é uma das três virtudes teologais, ou seja, são infundidas por Deus e a Ele fazem referência. São elas: Fé, Esperança (pela qual almejamos a graça divina para remissão de todos os pecados e salvação), Caridade (pela qual amamos a Deus sobre tudo e ao próximo por amor a Ele).
[17] A contrição perfeita justifica sem a necessidade do Sacramento, entretanto, encerra em si o desejo de receber o Sacramento da Penitência.
[18] Assim, alguém que se julga ter alcançado a contrição perfeita, mesmo que seja uma pessoa prudente, não pode chegar à mesa da comunhão ou receber algum outro Sacramento dos vivos.
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