No último texto nos detivemos em analisar a ação interna de Deus (ad intra); passaremos a analisar as ações divinas externas ou ad extra, para fora, como a criação, providência, Redenção… Neste texto, trataremos da criação.
Criar é fazer existir do nada, ou seja, sem nada preexistente. Por ser uma ação ad extra, a criação é um ato que tem por objeto as criaturas e, ipso facto, é obra das três Pessoas divinas conjuntamente porque tudo o que não diz respeito à íntima relação entre as Pessoas é comum às três simultaneamente.
Fazer vir do nada para o ser vai de encontro à experiência humana, que faz as coisas a partir de outra. Tão antagônica é a criação com o que vemos na natureza, que o Símbolo primeiro afirma a onipotência de Deus para que, crendo nós em Seu poder infinito, possamos mais facilmente acreditar que Ele pode criar. A criação exige um poder infinito, desta forma, em sentido pleno, criar é próprio de Deus somente.
Deus criou tudo o que existe e não poderia ser diferente, já que só Ele existe antes de tudo:
São insensatos por natureza todos os que desconheceram a Deus, e, através dos bens visíveis, não souberam conhecer Aquele que é, nem reconhecer o Artista, considerando Suas obras. Pois é a partir da grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu Autor (Sb 13,1.5).
Houve uma heresia, chamada maniqueísmo, falsa doutrina criada por Manes (aproximadamente no século II), que pregava a existência de dois deuses: um bom, Deus, criador de todas as coisas boas (as invisíveis) e um mau, o Diabo (do grego, “caluniador”), criador das coisas más (as visíveis). Essa heresia foi combatida veementemente pelo Padre da Igreja Santo Agostinho. O maniqueísmo contraria a unidade divina, pois se o Diabo pode criar, ele também teria a divindade, havendo, pois, dois deuses. Contra essa heresia, diz as Escrituras:
No princípio, Deus criou os céus e a terra (Gn 1,1).
Tudo foi feito por Ele [o Verbo, Deus] e sem Ele nada foi feito (Jo 1,3).
Para rechaçar definitivamente tal heresia, foram acrescentadas ao Símbolo as palavras: “e de todas as coisas visíveis e invisíveis”.
O segundo erro é dos que afirmam que o mundo é eterno [1]. O mundo foi feito do nada (ou seja, sem matéria pré-existente) e por isso houve tempo em que não era:
Este único e verdadeiro Deus, por Sua bondade e por Sua virtude onipotente, não para adquirir nova felicidade ou para aumentá-la, mas a fim de manifestar a Sua perfeição pelos bens que prodigaliza às criaturas, com vontade plenamente livre, criou simultaneamente no início do tempo ambas as criaturas do nada: a espiritual e a corporal, ou seja, os anjos e o mundo; e em seguida a humana, constituída de espírito e corpo (Concílio Vaticano I, 1870, Constituição dogmática Dei Filius, cf. Denz. 1783, destaques nossos).
O escopo da criação
O Concílio Vaticano I ensina que Deus criou por um ato plenamente livre da vontade. Mas isso não significa que a criação não tenha nenhum propósito.
O fim primário da criação é a glória de Deus. As criaturas dão glória a Deus de duas formas:
- as racionais de maneira direta e consciente, mediante o conhecimento, amor e serviço ao criador;
- as irracionais de maneira indireta na medida em que dão a conhecer as perfeições divinas, em especial: a onipotência, que tirou seus seres do nada; a sabedoria, que dispôs com tanta ordem e beleza; e a bondade, que propôs para o bem.
Sobre este último, está escrito:
Deus disse: Eis que Eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de alimento. E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus, a tudo o que se arrasta sobre a terra, e em que haja sopro de vida, Eu dou toda erva verde por alimento (Gn 1,29s).
A finalidade secundária é a felicidade das criaturas.
Os vestigia Dei
Há em toda a criação um vestígio de Deus, da Santíssima Trindade, da mesma forma que o artista deixa uma marca própria em sua obra (a mão, a arte, a intenção…), de maneira que pelo estilo da arte (pintura, escultura…), podemos identificar o autor.
Nesse sentido nos ensina a Escritura:
Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o Seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por Suas obras (Rm 1,20).
O mesmo nos afirma Santo Tomás:
Portanto, enquanto é uma certa substância criada, representa a causa e o princípio e demonstra, assim, a pessoa do Pai, que é princípio sem princípio. Enquanto porém tem uma certa forma e espécie, representa o Verbo, porque a forma do artificiado provém da concepção do artífice. E, por fim, enquanto ordenada, representa o Espírito Santo, que é Amor; porquanto a ordem do efeito para outra coisa, provém da vontade do criador (S.T., I, q. 45, a. 7, resp., destaques nossos).
Pode-se afirmar, com o Aquinate, que tanto na menor como na mais perfeita das criaturas há uma tripla marca pois qualquer criatura subsiste no seu ser, tem uma determinada espécie, e se ordena a algum outro ser.
- O ser existente em si mesmo, vestígio de Deus Pai por Sua mão poderosa:
No princípio, Deus criou os céus e a terra (Gn 1,1).
- As espécies hierarquizadas, vestígio de Deus Filho pela sabedoria de uma arte divina:
Dispusestes tudo com medida, quantidade e peso (Sb 11,20).
- A harmonia da ordenação de cada ser com o restante da criação, vestígio de Deus Espírito Santo: pela Sua intenção boníssima (a existência de um ser colabora com a sobrevivência de outro):
Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom (Gn 1,31).
O ser, o bem e o belo [2] são o vestígio da Santíssima Trindade na criação. A criação, portanto, revela o Deus infinito.
A gradação dos seres
Desta maneira, os seres criados por Deus são classificados do seguinte modo:
- seres que existem apenas: minerais;
- seres que existem e têm vida: vegetais;
- seres que existem, têm vida e sensibilidade: animais [3].
Vida é a capacidade imanente da matéria de se automover. Essa capacidade é dada por um princípio que os filósofos chamam de alma (do latim anima). Todo ser que tem vida tem alma, razão por que se chamam animados.
Assim, a alma é o princípio da vida do corpo, sendo classificada como alma vegetativa, alma sensível (ou animal) e alma espiritual (mais sobre a alma pode ser lido aqui no item 2). Um cachorro, contudo, que possui existência, vida e sensibilidade, não tem duas almas, uma vegetativa e outra sensível, mas uma única alma, a animal, que cumpre todas as funções de sua natureza.
Esta é, portanto, a criação, concebida do mundo em que vivemos.
Entretanto, a algumas criaturas foi reservado trazer não um mero vestígio da Santíssima Trindade, mas ser como Sua imagem, que as faz ultrapassar em dignidade as outras.
Tais criaturas são as espirituais, ou seja, os anjos e os homens.
Os anjos
Na ordem “cronológica” da criação, os anjos precedem os homens; entretanto, na ordem lógica, na investigação racional, sua existência é conhecida a posteriori.
Uma vez que consideraremos os seres espirituais, convém relembrar o significado desse termo. Como dito na parte 2 deste artigo do Credo, espírito é o ser existente sem dependência da matéria. Todo ser espiritual é, pois, capaz de agir de modo diverso dos seres puramente materiais; em outras palavras, agem pela inteligência e pela vontade.
Donde se conclui que, existindo seres compostos por matéria e espírito (o homem), pode existir outra classe de criaturas que são puramente espirituais: os anjos.
Temos certeza da existência desses seres intelectuais por causa da Relevação. Eles são criaturas totalmente espirituais (puros espíritos ou, em termo mais filosófico, formas puras), superiores aos homens e inferiores apenas a Deus:
Entretanto, Vós fizestes o homem quase igual aos Anjos, de glória e honra o coroastes (Sl 8,6).
Os anjos foram feitos para serem mensageiros de Deus:
Bendizei ao Senhor todos os Seus Anjos, valentes heróis que cumpris Suas ordens, sempre dóceis à Sua palavra. Bendizei ao Senhor todos os Seus Exércitos [celestes], ministros que executais Sua vontade (Sl 102,20s).
Por analogia ao que está dito da Revelação acerca do homem, é possível afirmar que os anjos foram criados à imagem e segundo a semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). Embora o livro de Gênesis fale explicitamente do homem, fazendo uma interpretação sistemática de toda a Escritura, principalmente com a passagem do Salmo (Sl 8,6), se o homem, inferior aos anjos, foi feito à imagem e segundo a semelhança de Deus, pode-se concluir, com maior razão, o mesmo dos anjos (já que nos são superiores).
Ser criado à imagem de Deus significa que são seres espirituais, ou seja, são imortais e dotados de inteligência [4] e vontade livre [5]:
- São imortais porque estão totalmente livres da matéria, são de realidade espiritual e não composto de partes, não sofrem nem têm necessidades. São formas puras.
- A inteligência angelical é mais perfeita que a do homem. Seu conhecimento não se dá através do raciocínio, mas de modo imediato: logo que contemplam algo, tão logo o compreendem no seu íntimo, sem apego às aparências, mas diretamente a essência, como afirma a Escritura: “Porém tu, ó rei, meu senhor, és tão sábio como um Anjo de Deus, para saber tudo o que se passa na terra!” (IISm 14,20).
- Sua vontade não está sujeita a mudanças como a do homem, pois não têm sensibilidade e sempre conhecem completamente o que contemplam.
Enquanto imortais, são imagem do Pai; enquanto inteligentes, são imagem do Filho; enquanto amantes, são imagem do Espírito Santo. Todas essas perfeições, entretanto, não estão na mesma medida a todos igualmente [6].
Assim como o ser, o bem e o belo são os vestígios da Trindade, espírito, inteligência e vontade são como Sua imagem [7].
Os homens
O homem, como já foi dito, é um ser composto de corpo material e alma espiritual [8].
Tem, por causa do corpo, vida e sensibilidade (como os animais); e, por causa da alma espiritual, inteligência e vontade livre (como os anjos). O homem, ser dotado de corpo (e vida), possui uma alma que, apenas nele, tem existência espiritual, ou seja, operações independentes da matéria e, por isso, é imortal.
E inspirou-lhe nas narinas um espírito de vida e o homem se tornou um ser vivente (Gn 2,7).
O homem também foi criado à imagem e segundo a semelhança de Deus (cf. Gn 1,26s; 5,1; 9,6) [9]. É a criação mais perfeita do mundo visível, pois a todas as coisas fez Deus apenas pela Sua palavra: “Deus disse: ‘Faça-se a luz!’ E a luz foi feita” (Gn 1,3). O homem, entretanto, foi criado de modo totalmente diferente:
Deus disse: ‘Façamos o homem’. O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra (Gn 1,26. 2,7).
O homem é, de certo modo, o resumo de toda a criação e a ele foi dado dominar sobre todo o mundo:
Que o homem reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra. Enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra (Gn 1,26.28).
A mulher
Embora o homem tivesse toda a criação a seus pés, não tinha alguém semelhante a si.
O Senhor Deus disse: Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada (Gn 2,18.20ss).
A adequada ajuda da qual o homem necessita é, precisamente, para cumprir a ordem divina “enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28). Santo Agostinho ensina que é a procriação o modo de cumprir tais incumbimentos, ou seja, a perpetuação do gênero humano:
Se a mulher não foi criada para o homem como auxiliar para gerar filhos, para que, então, foi criada? Se foi para que trabalhasse a terra, não havia trabalho para que ele precisasse de uma auxiliar; se houvesse, pelo teor do trabalho, melhor lhe seria um do sexo masculino. Também não foi para que ele tivesse uma companhia em meio à solidão, pois para isso também serviria um outro do mesmo sexo. Tampouco para ter alguém em quem Adão mandasse, porque Deus, que tem poder para da costela de um homem produzir uma mulher, igualmente tem para produzir outro homem, e, neste caso, o que foi criado primeiro comandaria o segundo. Portanto, não existe outro motivo para a criação da mulher a não ser de auxiliar do que concerne à geração (Comentário aos Gêneses, Livro IX, V 9, destaques nossos).
E comentando a ordem dada, o Santo de Hipona afirma: “Esta é a causa, com efeito, pela qual a terra está agora cheia de homens que a dominam” (Ibid., Livro III 5). Consequentemente, o casamento natural é instituído no mesmo instante da criação da mulher:
Deus criou à Sua imagem o homem e a mulher. Deus os abençoou: Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a (Gn 1,27s).
Essa bênção, diz Santo Agostinho e a Liturgia da Igreja, jamais foi abolida, nem com a queda do pecado original, nem mesmo pelo castigo do dilúvio.
A mulher também foi especialmente criada por Deus, não, entretanto, da terra, mas do próprio homem:
Então o Senhor Deus mandou ao homem um profundo sono; e enquanto ele dormia, tomou-lhe uma costela e fechou com carne o seu lugar. E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem (Gn 2,18.20-22).
A mulher foi tirada da costela, segundo São Tomás, para:
- significar a adequação de que fala Santo Agostinho, ou seja, que deveria se unir para perpetuar a humanidade (casamento natural);
- mostrar sua igualdade em dignidade com respeito ao homem:
Era conveniente que a mulher fosse formada da costela do homem. Primeiro, para significar que deve haver união entre o homem e a mulher. Pois, nem esta deve dominar aquele e, por isso, não foi formada da cabeça; nem deve ser desprezada pelo homem, numa como sujeição servil, por isso não foi formada dos pés (S.T., I, q. 92, a. 3, resp.) [10].
Assim, a união do homem com a mulher gera outros de mesma dignidade:
Adão viveu cento e trinta anos: e gerou um filho à sua semelhança, à sua imagem (Gn 5,3).
O estado de natureza do homem
Por estado de natureza, entende-se as condições de perfeições dadas (dons) por Deus a algum ser. Aos anjos, como já discorrido, foi-lhes dado, além das perfeições naturais (estado de natureza pura), a graça sobrenatural.
O estado de natureza pura do homem é ser composto de corpo material e alma espiritual (racional). Deus, Nosso Senhor, entretanto, não Se contentou em dar apenas as qualidades naturais, concedeu-lhe dons preternaturais (estado de natureza íntegra) [11], fazendo-o, de certa forma, semelhante aos anjos, pois que alguns dons preternaturais lhes são naturais.
Além desses dons, igualmente aos anjos, Adão foi robustecido também com a graça, dom sobrenatural (estado de natureza elevada) [12].
São quatro os dons preternaturais: dois se referem à alma, sejam a ciência infusa e a integridade; dois, por sua vez, referem-se ao corpo, a imunidade e a imortalidade.
Ciência infusa é o dom pelo qual, sem estudo, o homem possuía conhecimentos das leis, não apenas física, mas também no âmbito religioso e moral:
E todo o nome que o homem pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome. O homem pôs nomes a todos os animais, a todas as aves dos céus e a todos os animais dos campos (Gn 2,20).
Integridade é o dom pelo qual as paixões estavam perfeitamente submetidas à razão [13]. Não havia pecados passionais, pois antes seria necessário a ruptura da razão com Deus; nossos pais sequer pecavam venialmente.
Então os seus olhos abriram-se; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira, ligaram-nas e fizeram cinturas para si (Gn 3,7).
Imunidade é o dom pelo qual não estavam submetidos à dor alguma nem incômodo.
Disse também Deus à mulher: Multiplicarei os sofrimentos de teu parto (…) Disse ao homem: Tirarás da terra com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos (Gn 3,16s).
Imortalidade é o dom pelo qual não morreriam (ou sentiriam a dor da morte).
Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar (Gn 3,19).
*
Corolário: heresia do poligenismo
Poligenismo é a ideia de que o seres humanos não têm origem comum, sendo a humanidade descendente de vários casais de raças diversas. Tal teoria contraria as Escrituras e o ensino constante da Igreja sobre o assunto. Foi expressamente condenada como herética por decisão do Papa Pio XII, em 1950:
Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da Verdade revelada e os documentos do Magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles (Carta Encíclica Humani generis, 37).
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Notas
[1] A eternidade do mundo deve ser entendida aqui pela ideia de que o universo sempre existiu por si mesmo, como um atributo imanente a si. Não repugna a reta razão, contudo, considerar que o mundo sempre tenha existido, desde que se afirme sua criação por Deus, como o Aquinate ensina.
[2] Esta é a doutrina dos transcendentais, ou seja, as características próprias do ente. O ser que é a existência do ente (Pai). O bem que é o ser considerado enquanto possuidor de uma perfeição em si mesmo (Filho). O belo que é aquilo que agrada ver (Espírito Santo), pela correspondência ente o objeto visto e o intuído.
[3] Há os seres cuja existência é apenas virtual, ou seja, não existem na realidade; eles são chamados de seres de razão. A tabela abaixo resume a gradação dos seres:
De razão |
Mineral | Vegetal | Animal | Homem |
Anjo |
Existência virtual: pégaso. |
Apenas existência real: pedra de rubi | Existência e vida: pau-brasil | Existência, vida e sensibilidade: leão | Existência, vida, sensibilidade e espiritualidade: Agostinho |
Pura espiritualidade: São Gabriel |
[4] Recomendamos este texto (item 3) para um aprofundamento do conhecimento dos anjos.
[5] A liberdade é uma propriedade da vontade com a qual ela quer algo sem qualquer necessidade obrigatória. Assim, nada obriga aos seres livres querer ou não querer aquilo que que querem ou não querem. Isso não implica a existência de algo antecedente, como a inteligência, pois deixaria de ser liberdade, mas acaso. Essa é a liberdade natural que Deus concedeu aos Anjos e a nós e que faz parte da nossa natureza.
Em resumo a liberdade natural é a faculdade de escolher, sem determinismo, os meios para se chegar a um fim conhecido pela razão.
Difere-se da liberdade moral pela qual se deve escolher os meios adequados — segundo as normas morais, divinas e naturais (das quais falaremos na seção Moral) — para se chegar ao fim, como diz a Escritura (“Tudo me é permitido, mas nem tudo convém, I Cor 6,12) e o Magistério da Igreja (cf. Encíclica Libertas præstantissimum de 1888, Papa Leão XIII).
[6] Entre os anjos existe uma hierarquia, que se divide em três, segundo o modo com que os espíritos puros conhecem as coisas criadas e seu governo. Como na administração das questões humanas, existem os conselheiros do rei que sempre estão em sua companhia (primeira hierarquia), os nobres que sabem os segredos do governo (segunda hierarquia) e aqueles que tem familiaridade na corte (terceira hierarquia).
A primeira hierarquia considera o fim das coisas, ou seja, recebe diretamente de Deus o conhecimento do governo do universo.
A segunda hierarquia conhece as coisas pelas disposições gerais ou princípios universais, ou seja, cabe-lhe o governo e a direção do universo.
A terceira hierarquia, por fim, dispõe as coisas ao efeito, ou seja, executam a obra.
É precisamente por este princípio que são conhecidos todos os espírito puros, pois o que é do inferior, por excesso se pode atribuir ao superior.
[7] Em cada hierarquia há três coros ─ que Santo Tomás mais uma vez compara com a sociedade: aristocratas, o povo médio e a plebe.
Na primeira hierarquia tem-se os Serafins (unidos a Deus pela Caridade), os Querubins (conhecedores da plenitude dos segredos divinos) e os Tronos (executores dos juízos de Deus, levando-os aos inferiores como um trono leva o rei).
Na segunda, as Dominações (definem o que deve ser feito), as Virtudes (dão as condições de se cumprir, realizando, se necessário, milagres) e as Potestades (ordenam de que modo será cumprido, reprimindo, inclusive, os maus poderes).
Na terceira, os Principados (dirigem os inferiores na ação, como o maestro conduz a execução de um concerto, e presidem as cidades e as dioceses), os Arcanjos (anunciam os feitos sobrenaturais) e os Anjos (anunciam os feitos naturais, incumbidos, aliás, da guarda dos homens).
[8] Os seres sensíveis são munidos de uma operação chamada de apetite. Para o homem, apetite é o desejo pelo bem material ou espiritual. O desejo do bem material, que se aplica também aos animais, é chamado de apetite sensível ou sensualidade. O desejo espiritual, de apetite racional ou vontade.
Santo Tomás assim explica o apetite sensível (cf. S.T I q. 81, a. 2): são duas potências, a saber, a irascível e a concupiscível. Nas coisas naturais deve existir a inclinação para o bem e a fuga do mal (concupiscível); e a inclinação para o esforço em possuir o bem (irascível).
Em resumo, o apetite concupiscível impele o indivíduo a procurar o que lhe agrada. O apetite irascível impele para o bem árduo de se obter: os animais querem viver (apetite concupiscível), e devem, para isso, lutar para sobreviver (apetite irascível).
Os apetites são propriedades naturais do homem e, por isso, são bons em si mesmos; podem, contudo, servir para o bem ou para o mal.
A paixão é o movimento desregrado do apetite sensível.
[9] Os Padres condicionam a criação do homem à queda dos anjos. Assim, fomos criados para ocupar os “lugares” vazios deixados pelos anjos caídos e, por este fato, fomos criados racionais.
[10] Existe uma bela explicação do Aquinate para o sono e o lado aberto de Adão. Para ele, Adão e Eva são figuras de Cristo e da Igreja e o motivo em que reside toda a disciplina eclesiástica sobre a indissolubilidade do Matrimônio: “Segundo, por causa do Sacramento; porque, do lado de Cristo, dormindo na Cruz, fluíram os Sacramentos, isto é, o Sangue e a água, com os quais foi a Igreja instituída” (S.T., I, q. 92, a. 3, resp.), semelhantemente do lado aberto de Adão dormido nasce Eva.
[11] Por preternatural se entende dons sobrenaturais relativos. Por exemplo: se um boi falasse, essa faculdade seria um dom sobrenatural relativo (ou preternatural) ao boi, uma vez que falar está além das qualidades do ser boi, mas não está além a qualquer criatura, pois o homem é capaz de falar.
Por sobrenatural, entende-se o sobrenatural absoluto, ou seja, dons acima de qualquer natureza criada ou criável.
Certos dons foram dados ao homem que, excedendo sua natureza, não excedem em absoluto a criação; se o homem fosse feito apenas neste estado, dir-se-ia de natureza íntegra.
[12] Graça aqui pode ser entendida como influxo gratuito dado por Deus em vista à beatitude eterna.
[13] As paixões, como dito na nota 8, vêm da sensualidade, que é dividida em dois apetites.
Do concupiscível, distinguem-se o amor-paixão (que não é o amor intelectual, operação derivada da vontade) e o ódio, o desejo e a aversão, a alegria e a tristeza.
- O amor tem por objeto um bem sensível e o ódio um mal, considerados em si mesmos.
- O desejo dirige-se a um bem ausente; e a aversão, a um mal afastado.
- A alegria resulta do bem possuído; a tristeza da presença dum mal.
Do irascível tem-se a esperança-paixão (que não é a virtude teologal da Esperança, infusa por Deus) e o desespero, a audácia e o medo e, por fim, a cólera.
- A esperança nasce perante um bem que se parece possível obter; o desespero tem por objeto o bem que se julga impossível conseguir.
- A audácia nasce perante um mal possível de evitar; o medo refere-se ao mal iminente, de que se supõe não se poder livrar.
- A cólera, finalmente, é a reação a um mal que atinge o indivíduo diretamente.
Republicou isso em APOLOGÉTICA CATÓLICA.
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