PRIMEIRO MANDAMENTO

«EU SOU o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. EU SOU o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniquidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos» (Ex 20,2-6. Dt 5,6-10).

O Primeiro Mandamento o mais importante dentre todos, como ensina Nosso Senhor:

‘Mestre, qual é o maior mandamento da lei?’ Respondeu Jesus: ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento’ (Mt 22,36-38).

Este mandamento se refere à religião, virtude moral, conexa com a justiça, que nos ordena render culto a Deus por ser Ele o primeiro princípio e o Soberano Senhor de todas as coisas que existem. Portanto, o preceito positivo é amar a Deus acima de tudo porquanto é o Senhor que prodigaliza todos os benefícios das criaturas. O preceito negativo é a proibição de colocar a criatura no lugar do Criador (idolatria).

Amar a Deus é, essencialmente, a Caridade, como já vimos. Ela pode ser imperfeita, também chamada de amor de agradecimento, ou perfeita, também chamada de amor de benevolência.

Caridade imperfeita, ou de agradecimento, é o amor a Deus porque esperarmos algo dEle ou porque nos prodigalizou muitas coisas. A Caridade perfeita, ou de benevolência, é o amor a Deus pelo que Ele é, em Si, infinitamente perfeito, belo, glorioso, bom e digno de ser amado, sem tomar em consideração Seu amor e Sua misericórdia para conosco.

No amor de agradecimento, pensamos, sobretudo, nos dons; com o amor de benevolência, pensamos na bondade do Doador; ama-se o Doador, pois, não tanto pelos seus dons como pelo Seu amor e bondade que podem se manifestar nos dons. Explica-nos padre J. de Driesch:

Há estrelas que nem podemos distinguir, por estarem muito longe de nós, e, contudo, são tão grandes e formosas como o sol, que tão prodigamente nos dá o calor e a vida. Da mesma forma, ainda que o homem não tivesse visto nem gozado nunca do amor de Deus, eterna Estrela do céu. Ainda que Deus não tivesse criado o mundo nem criatura alguma, seria, apesar disso, grande, belo, glorioso e digno de ser amado, porque é em si mesmo e para si, o bem mais excelente, o mais perfeito e digno de amor (A Contrição Perfeita).

Pecados contra este Mandamento

Como as virtudes da Fé, Esperança e Caridade são teologais, ou seja, dadas por Deus e a Ele referentes, os pecados contra essas virtudes são contra o primeiro Mandamento.

Contra a Fé

Dúvida voluntária ⇒ recusa ou negligência em crer no que Deus revelou ou no que a Igreja afirma como revelado e propõe para a crença dos fiéis.

  • A dúvida involuntária, hesitação em crer, geralmente pela dificuldade de entendimento, só é pecado se deliberadamente cultivada ou negligenciada.

Heresia ⇒ recusa ou negação pertinaz de uma verdade de Fé, depois da recepção do Batismo. A heresia, ipso facto (por si mesma), gera excomunhão automática para o herege.

Apostasia ⇒ rejeição de todas as verdades da Fé cristã. É uma espécie de heresia total e, por isso mesmo, também retira o apóstata da comunhão eclesial [1].

Cisma ⇒ recusa da sujeição ao Romano Pontífice. Por sua própria natureza, o cismático é punido por excomunhão automática.

Contra a Esperança

Desespero ⇒ consiste em deixar de esperar de Deus a salvação, os auxílios para alcançá-la ou o perdão de seus pecados. Como já falado, é um pecado contra o Espírito Santo e, portanto, sem perdão.

Presunção de salvação. Também é um pecado contra o Espírito Santo. Pode ser, ainda assim, de duas maneiras:

  • natural, quando o indivíduo presume salvar-se por suas capacidades naturais, sem a ajuda da graça [2];
  • de esperança, quando o indivíduo presume a onipotência e a misericórdia de Deus, esperando salvar-se sem a sua própria cooperação, ou seja, sem mérito [3].

Contra a Caridade

Inveja pelos benefícios que Deus dá a outros. Também é um pecado contra o Espírito Santo [4].

Ingratidão com relação às benesses concedidas por Deus.

Tibieza ⇒ frieza espiritual.

Acídia ⇒ preguiça que leva ao desprezo das coisas espirituais pelo esforço que as acompanha.

Contra a virtude da religião

Os pecados contra a religião podem ser por excesso, quando ela é dirigida para coisas além do próprio Deus, ou por defeito, quando é a falta com as coisas divinas.

Pecados por excesso

Idolatria ⇒ consiste em prestar à criatura a honra devida apenas a Deus [5]. A idolatria é sempre matéria grave e pode ter duas classificações:

  • idolatria verdadeira, como os pagãos hindus, que adoram os animais;
  • idolatria fingida, como ocorreu com alguns católico por medo das perseguições, por exemplo na Roma antiga ou na revolta anglicana [6].

Superstição ⇒ desvio do culto devido a Deus [7]. Matéria grave, que se manifesta:

  • vã observância, que é o uso de objetos (amuletos) a fim de obter um determinado efeito extraordinário, sempre desproporcional à causa;
  • divinação ou adivinhação de qualquer tipo (horóscopo, cartomante…) revela falta de confiança na Divina Providência;

Esbanjaste teus esforços entre tantos conselheiros. Que eles então se levantem e te salvem, aqueles que preparam o mapa do céu e observam os astros, que comunicam a cada mês como irão as coisas. Ei-los como argueiros de palha que o fogo consumirá; não poderão escapar às investidas da chama (Is 47,13s).

  • bruxaria ou magia, que é a busca em produzir fenômenos extraordinários que ultrapassam as forças comuns da natureza;
  • espiritismo, que a evocação de espíritos para tentar aprender coisas ocultas.

Pecados por defeito

Irreligião ⇒ é a falta com a virtude da religião em algum grau. Matéria grave, que pode ser:

  • tentar a Deus, ou seja, colocar Deus à prova [8].
  • simonia, que é o comércio com coisas sagradas, como vender Sacramentos, relíquias… [9];
  • profanação, que é o desrespeito ou violação de lugar sagrado;
  • sacrilégio, o desrespeito ou violação de pessoas ou objetos sagrados;
  • indiferença religiosa é a falta de interesse nas coisas divinas e da religião.

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Notas

[1] Motivos para esse relaxamento com a Fé, em geral, pode advir da soberba intelectual, por causa de leituras imprudentes e até mesmo pelo esfriamento da Caridade (pecado habitual).

[2] São heresias já condenadas pelo Magistério da Igreja: o pelagianismo, o semipelagianismo e o voluntarismo.

[3] São heresias condenadas pela Igreja: o luteranismo, o fideísmo, o calvinismo.

[4] Vimos que o Decálogo é resumido pela Caridade a Deus (primeira tábua) e ao próximo (segunda tábua). Por isso, qualquer pecado é, na verdade, contra a Caridade. A lista que dispomos aqui são daqueles pecados que são diretamente contra ela.

[5] Uma dificuldade que pode surgir desta proibição é o culto aos Santos. Trataremos sobre isso no III Mandamento.

[6] Sobre a influência do medo na moralidade do ato, veja-se o texto Moral fundamental.

[7] Ora, a superstição é a crença ou noção sem base na razão ou na Revelação, que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, ou a depositar confiança em coisas absurdas.

[8] Santo Tomás ensina que tentar é fazer uma experiência, provar. Ninguém experimenta aquilo de que está certo. A provação se fundamenta em algo que é ignorado ou algo em que se duvida. Isso pode partir de quem faz a tentação ou de quem é tentado.
De quem tenta quando experimentamos uma coisa para lhe conhecer a qualidade. De quem é tentado quando experimentamos alguém para que eles o conheçam. É nesse último sentido que dizemos que Deus nos tenta. Ora, ignorar ou duvidar das perfeições de Deus é pecado. Por onde é manifesto que tentar a Deus para Lhe conhecer a virtude é pecado.
Experimentar as perfeições de Deus, não para conhecê-las, mas para revelá-las aos outros, isso não é tentar, pois se funda numa justa necessidade ou nalguma pia utilidade ou em outras condições que devem concorrer para tal. Assim os Apóstolos pediram ao Senhor que, em nome de Jesus Cristo, lhes desse sinais aos infiéis da doutrina de Cristo. (cf. S.T., II-II, q. 97, a. 2, rep).

[9] São Pedro repreende o Mago Simão por oferecer dinheiro em troca da ordenação:

Então os dois apóstolos lhes impuseram as mãos e receberam o Espírito Santo. Quando Simão viu que se dava o Espírito Santo por meio da imposição das mãos dos apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: ‘Dai-me também este poder, para que todo aquele a quem impuser as mãos receba o Espírito Santo’. Pedro respondeu: ‘Maldito seja o teu dinheiro e tu também, se julgas poder comprar o dom de Deus com dinheiro! Não terás direito nem parte alguma neste ministério, já que o teu coração não é puro diante de Deus. Arrepende-te desta tua maldade e roga a Deus, para que, sendo possível, te seja perdoado este pensamento do teu coração. Pois estou a ver-te no fel da amargura e nos laços da iniquidade‘. Retorquiu Simão: ‘Rogai vós por mim ao Senhor, para que nada do que haveis dito venha a cair sobre mim’ (At 8,17-24).

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