Augustíssimo Sacramento é a Santíssima Eucaristia, na qual Se contém, Se oferece e Se recebe o próprio Cristo Senhor e pela qual continuamente vive e cresce a Igreja. É o terceiro dos Sacramentos e maior de todos.
Desse modo, formalmente se pode dizer que a Eucaristia é o Sacramento que, pela conversão de toda substância do pão no Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo e de toda a substância do vinho no Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, contém verdadeira, real e substancialmente o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade do mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja, o Cristo todo, debaixo das referidas espécies para nosso alimento espiritual e sacrifício de culto.
Assim, este Sacramento tem duplo aspecto: um sacramental e outro sacrifical. Neste texto será tratado o primeiro desses. Sobre o Sacramento da Eucaristia ensina o tridentino:
No majestoso Sacramento da Eucaristia estão contidos verdadeira, real e substancialmente o Corpo e o Sangue juntamente com a Alma e a Divindade de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, por conseguinte, o Cristo todo (Concílio de Trento, Sessão XIII, Denz. 874, destaques nossos).
Passemos ao significado dos termos destacados:
- verdadeiro: termo que se opõe a símbolo. Assim, a presença de Nosso Senhor na Eucaristia não é como uma analogia, mas correspondente à verdade;
- real: opõe-se a ideal. A presença verdadeira se dá no sensível, ou seja, na matéria que compõe o Sacramento. Cristo está em presença habitual (enquanto houver as aparências de pão e vinho) e concretamente; não, contudo, virtual (no pensamento) ou potencialmente [1].
- substancial [2]: não de modo acidental. A presença verdadeira e real de Nosso Senhor se dá na substância, conservando assim as espécies de pão e vinho [3].
A presença de Nosso Senhor na Eucaristia é verdadeira, ou seja, após a consagração é o mesmo Cristo Senhor, Filho do Pai Eterno, que está presente. O mesmo que nasceu da Virgem e morreu na Cruz e agora vive e reina nos Céus. É Ele tal e qual, não mero símbolo ou consenso dos fiéis.
EU SOU o Pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente. E o pão, que Eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo (Jo 6,51).
Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a Carne do Filho do Homem, e não beberdes o Seu Sangue, não tereis a vida em vós mesmos (Jo 6,53).
Este pão é pão antes das palavras sacramentais. Logo que se realiza a consagração, de pão que é, torna-se Carne de Cristo (Santo Ambrósio, De Sacramentis, 4, destaques nossos).
Cremos que antes da consagração subsistem o pão e o vinho, conforme os fez a natureza; mas depois da consagração, existem a Carne e o Sangue de Cristo (Santo Agostinho, apud Catecismo Romano II-IV 39, destaques nossos).
A presença de Nosso Senhor na Eucaristia é real (do latim res, “coisa”). Isso significa um modo de ser completamente diverso dos outros Sacramentos. Nestes, a presença de Cristo se dá pelo efeito da graça (ver nota 1), que ocorre no sujeito. Na Eucaristia, contudo, está Ele na coisa mesma, ou seja, na espécie da matéria (pão e vinho), motivo pelo qual Sua presença é dita real [4].
Resta esclarecer, agora, como as espécies do pão e do vinho subsistem sem a substância que lhes dá suporte. A única explicação é que as espécies da matéria se sustentam em si mesmas — já que não têm mais o sustento da substância pão ou vinho, nem tampouco podem ter por sustento a substância de Cristo — constituindo verdadeiro milagre (cf. Catecismo Romano II-IV 43).
O Corpo e o Sangue de Nosso Senhor estão verdadeiramente presentes, ainda que por fora só se veja a representação de pão e vinho (Santo Hilário, De Trinitate lib. 8, destaques nossos).
A presença de Nosso Senhor na Eucaristia é substancial, ou seja, a substância do Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Não estão os acidentes de seu Corpo e Sangue, assim como Sua presença não é local, mas está presente como a substância de algo está em toda matéria da qual é feita: Cristo, portanto, está na hóstia inteira e em cada parte dela, por menor que seja.
A Carne é alimento; o Sangue, bebida; permanece o Cristo todo, sob ambas as espécies (Sequência da festa de Corpus Christi, destaques nossos).
Embora haja uma dupla transubstanciação na confecção da Eucaristia, não se pode dizer que no pão convertido haja apenas o Corpo de Cristo e que no vinho, apenas o Sangue. Cristo, como ensina o Catecismo Romano, é o nome que designa o Homem-Deus.
Entretanto ainda é errado afirmar que na Eucaristia tem-se o Corpo e a Divindade de Cristo no pão e, no vinho, Seu Sangue e Divindade. Existe apenas um Cristo e esse mesmo Cristo está ressurrecto no Céu. Em cada uma das espécies eucarísticas, tem-se o Cristo todo, Corpo, Sangue, Alma e Divindade. É naufrágio na Fé católica separar as naturezas divina e humana de Cristo, como também é separar a Sua natureza humana em si.
A essa verdade (da inteireza do Cristo na Eucaristia) os teólogos chamam de concomitância. Tudo isso é consequência de Sua admirável ressurreição e da presença substancial. No dizer dos filósofos, está, pois, no Sacramento aquilo mesmo que Cristo é.
Cada qual recebe Cristo Nosso Senhor e em cada porção está Ele todo presente. Não fica menor, quando repartido a cada um individualmente e dá-Se todo inteiro a cada um dos comungantes (Santo Agostinho, apud Catecismo Romano II-IV 34, destaques nossos).
Mas aqui ainda cabe uma explanação para provar a doutrina católica: uma vez que Ele antes ali não estava, como passou a estar? Isso pode ocorrer de três modos: mudança de lugar, criação ou conversão de uma coisa em outra.
Ora, não pode ser por mudança de lugar, pois nada se move sem abandonar o local donde parte o movimento ─ assim o Corpo de Nosso Senhor não mais estaria no Céu, a destra mesma de Deus Pai. Mais absurdo ainda seria admitir nova criação do Cristo ─ haveria então mais de um Corpo de Cristo.
A reta razão exige então a última hipótese: algo do pão (e do vinho) se converte em Cristo. Como no Sacramento as aparências de pão e vinho permanecem, resta afirmar que suas substâncias se mudam em Corpo e Sangue de Nosso Senhor e, por concomitância, tem-se o Cristo todo inteiro, processo chamado de transubstanciação pela Igreja [5].
Considerando explicada a doutrina da Igreja acerca do Augusto Sacramento, trataremos agora da explicação dos sinais sacramentais e seu efeito. A Eucaristia foi instituída por Nosso Senhor na noite da Ceia derradeira:
Tomou em seguida o pão e depois de ter dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o Meu Corpo, que é dado por vós (Lc 22,19).
Em seguida, tomou o cálice, deu graças e apresentou-lho, e todos dele beberam. E disse-lhes: Isto é o Meu Sangue, o Sangue da aliança, que é derramado por muitos (Mc 14,23s).
Eu recebi do Senhor o que vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: Isto é o Meu Corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no Meu Sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim (I Cor 11,23ss).
*
- Os efeitos da Eucaristia:
A quem quer que seja, aquele que recebe a Santíssima Eucaristia recebe o próprio Cristo, já que Sua presença é real e não moral e no sujeito (como os demais Sacramentos). Entretanto aqueles que ousam tomar o celestial alimento em estado de pecado mortal, cometem o gravíssimo pecado de sacrilégio [6].
Aos que têm boas disposições: conserva e aumenta a vida da alma, que é a graça santificante segunda, como o alimento material sustenta e aumenta a vida do corpo; perdoa os pecados veniais e preserva dos mortais; produz consolação espiritual; enfraquece as paixões, amortece o fogo da concupiscência, aumenta o fervor e ajuda a proceder em conformidade com os desejos divinos; dá o penhor da glória futura e da ressurreição do nosso corpo, além de ser sinal da unidade da Igreja, pois que todos os fiéis comem da mesma comida e bebem da mesma bebida [7].
A graça sacramental é o direito aos subsídios necessários para que se atinja todos os direitos dos demais Sacramentos. Especificamente dá o direito à união com Deus em Cristo Jesus veladamente agora e, mais tarde, face a face na visão beatífica no céu.
- Matéria:
Remota: pão de trigo (para a validade) e ázimo (para a liceidade na Igreja latina) e vinho natural de uva não deteriorado (para a validade) no qual se deve misturar um pouco de água (para liceidade).
Próxima: pão e vinho no cálice, estando ambos (pão e cálice) sobre o altar no corporal.
- Forma:
São as palavras da consagração [8].
Para o pão:
ISTO É VERDADEIRAMENTE O MEU CORPO.
Para o vinho [9]:
ESTE É VERDADEIRAMENTE O CÁLICE DO MEU SANGUE, DO NOVO E ETERNO TESTAMENTO, MISTÉRIO DA FÉ, QUE POR VÓS E POR MUITOS SERÁ DERRAMADO EM REMISSÃO DOS PECADOS [10].
- Ministro:
Da consagração:
Todo e qualquer sacerdote o qual sempre consagra validamente porque esse poder é inerente ao caráter sacerdotal.
Da comunhão:
O diácono, o presbítero e o Bispo.
- Sujeito:
Não existe sujeito da Eucaristia, como foi dito. Pode-se falar apenas de sujeito da comunhão: qualquer pessoa batizada, que tenha o uso da razão e instrução (para a Igreja latina), o estado de graça e esteja em jejum (exceto água).
Todo fiel depois de recebido pela primeira vez a Eucaristia, tem a obrigação de comungar ao menos uma vez no ano por ocasião da Páscoa (preceito pascal).
________________
Notas
[1] O modernismo afirma haver outras presenças reais de Cristo: o Concílio Vaticano II ensina uma suposta presença real nas Escrituras, por exemplo (cf. Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, 7) ─ interessante é que Ele não parece estar presente na Tradição Apostólica, para os modernistas. Assim, esses heterodoxos mudam a noção antiga e já estabelecida da palavra “real”, como ensinada pela filosofia perene. Para estes, “real” é sinônimo de “existir”. Em contra partida, na doutrina católica há apenas três modos de presença: pela onipresença (mais pode ser lido aqui), pela graça e pela Eucaristia (real).
[2] Ou seja, se uma hóstia é partida ao meio, tem-se Cristo inteiro nas duas partes obtidas, pois não se parte a substância. É a Fé nessa verdade que faz a Igreja obrigar pela Liturgia todos os cuidados para que nenhum fragmento qualquer seja esquecido, pois é Cristo inteiro. Sobre isso a Liturgia ensina:
Não destrói quem O toma; não O parte, nem divide: inteiro é recebido. Come um, come mil: tanto estes, tanto ele; nem comido Se consome (…) Se é partido o Sacramento, não vaciles, mas lembra, tanto está sob o fragmento, como no todo, encerrado. Nenhuma fissura é feita: mas só o símbolo é partido, nada é diminuído, nem se muda o que contém (Sequência da festa de Corpus Christi, destaques nossos).
O que é Santo aos santos! O Cordeiro de Deus é partido e distribuído; é partido, mas não dividido; comido, mas nunca consumido; santificando aqueles que O recebem em comunhão (Rito Bizantino, oração para antes da comunhão).
[3] Sabiamente a Igreja emprega o termo espécie e não acidente porquanto são as aparências do pão e do vinho que restam, ou seja, qualidade e quantidade.
[4] Embora as espécies da matéria não se sustentem na substância de Cristo, elas são manifestações sensíveis da Sua presença substancial, ao modo costumeiro dos acidentes.
[5] Transubstanciação é mudança de substância. Assim, fica claro que não resta nada do pão ou do vinho a não ser suas espécies. A doutrina da consubstanciação (substância conjunta do pão e vinho com o Corpo de Cristo) de Lutero é errônea, antes por repugnar a razão do que a Fé propriamente dita.
[6] Sobre isso atestam as Escrituras, sob a autoridade do Apóstolo, e a Igreja, sob a autoridade do Aquinate:
Portanto, todo aquele que comer o Pão ou beber o Cálice do Senhor indignamente será culpável do Corpo e do Sangue do Senhor. Que cada um se examine a si mesmo, e assim coma desse Pão e beba desse Cálice. Aquele que O come e O bebe sem distinguir o Corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação (I Cor 11,27ss).
Come o bom, come o mal, mas com sortes desiguais: para um, a vida; para outro, a morte. Morte ao mau; vida ao bom: vede, o mesmo alimento, com êxitos díspares (Sequência da festa de Corpus Christi, destaques nossos).
[7] A Liturgia também afirma:
E, feito de Si a única Vítima de expiação, nos convida ao sagrado festim, no qual Ele mesmo é recebido como nosso alimento, é recordada a memória de Sua Paixão, nossa mente é repleta de graças e nos é dado o penhor da glória futura (Prefácio do Santíssimo Sacramento – galicano, destaques nossos).
Pela Sua Carne, por nós imolada, somos alimentados e robustecidos; bebendo o Seu Sangue derramado, somos purificados (Prefácio da Ceia do Senhor, destaques nossos).
[8] São suficientes para a validade: «Isto é o Meu Corpo» (para o pão) e «Este é o meu Sangue» (para o vinho).
[9] A frase «Todas as vezes que isto fizerdes, fazei em Minha memória» dita após as palavras indicadas no texto não faz parte da fórmula sacramental tradicional.
[10] Para a recepção da Eucaristia, ou seja, a comunhão a fórmula usada é:
[Que o] Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo guarde a tua alma na vida eterna. Amém.
Como é costume no Rito Romano a forma sempre encerra em si o efeito imediato do Sacramento recebido. Esse fato não é verificado na reforma de Paulo VI — a fórmula usada é tão somente «Corpo de Cristo» —, constituindo mais uma ruptura na tradição romana.