
«Não matarás» (Ex 20,13. Dt 5,17).
O Quinto Mandamento mostra o valor da vida humana. O dogma já deixou isso claro, porque a vida humana foi comprada pelo Preciosíssimo Sangue do Senhor. A vida humana é, portanto, sagrada1:
Eu pedirei conta de vosso sangue, por causa de vossas almas, a todo animal; e ao homem (que matar) o seu irmão, pedirei conta da alma do homem. Todo aquele que derramar o sangue humano terá seu próprio sangue derramado pelo homem, porque Deus fez o homem à sua imagem (Gn 9,5s).
Assim, o preceito positivo deste Mandamento é o respeito total à vida humana desde a concepção até seu declínio natural2. O preceito negativo é não causar dano, no corpo ou na alma, nem a si mesmo nem ao próximo. Diz-nos Nosso Senhor: “Vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele” (Jo 8,44). E em outro momento diz a Escritura: “Vós [Deus] sois senhor da vida e da morte” (Sb 16,13).
Relatividade da vida humana
A vida é o maior bem natural que Deus nos concedeu. Por isso mesmo, seu valor não pode ser absoluto, como tudo que não diz respeito a Deus diretamente. Portanto, o princípio geral do V Mandamento é “tu não matarás o inocente, a não ser o injusto agressor”.
Então a lógica conclui duas coisas. Exclui, primeiro, a vingança, uma vez que a ordem é individual — tu não matarás — como é, na verdade, com todos os Mandamentos. Também, em segundo, mostra que a vida não é um bem absoluto: Deus permite que, por defesa própria ou de terceiros, o agressor injsuto seja abatido.
Legítima defesa
O injusto agressor age, obviamente, contra justiça. Por isso mesmo, a morte causada pela legítima defesa, ou seja, de um agressor injusto, não constitui pecado, obrigando, inclusive, a defesa de terceiros (se injustamente agredidos). A legítima defesa, de si ou de outem, é um tipo da causa de duplo efeito e constitui um direito de qualquer pessoa. Ao Estado, pois, cabe resguardar e jamais impedir a seus cidadãos exercê-la.
A injusta agressão pode ser indireta, quando o infrator intenta contra os bens e o patrimônio alheio. Ora, como ja foi explicado, os bens materiais são necessários para a manutenção da vida física3, o que indica decerto que esse princípio aplica-se também a esses casos. Santo Antonino, o Doutor Angélico e o Doutor Zelosíssimo atestam essa doutrina pelas Escrituras:
Se o ladrão, surpreendido de noite em flagrante delito de arrombamento, for ferido de morte, não haverá homicídio (Ex 22,2).
Os mesmos Santos e Doutores ensinam que é lícito usar da legítima defesa até às últimas consequências para livrar-se daquele que, forçadamente, atenta contra o pudor, se não houver outro meio de evitar o abuso.
Como a legítima defesa se aplica sempre a um agressor injusto, seja contra a vida, saúde ou bem próprio ou alheio, facilmente se observa a imoralidade do aborto e eutanásia, uma vez que o bebê (feto) não é jamais um agressor (o mesmo se diga de um enfermo em estágio terminal).
Vindita publica
Vindita publica (do latim vingança pública) é mais conhecida como pena de morte ou pena capital. Ela é o direito que a sociedade tem em punir os criminosos4. Tem como fim primordial o bem comum e como fim secundário refrear e prevenir o mal. Os moralistas entendem a pena capital como uma espécie de legítima defesa da sociedade. O Estado, contudo, não é obrigado a recorrer-lhe, mas é recomendado que o faça, como ensina Santo Afonso, baseando-se na autoridade de Santo Tomás (cf. II-II q. 64, a. 7), do Catecismo Romano (III-VI 8) e do direito canônico5: Vim vi repellereomnes leges pemittunt (todas as leis permitem repelir a força com força).
Desse modo, diferente do ensino atual da Igreja pós-concilar, a pena de morte é perfeitamente possível e moral6.
Guerra justa
A guerra, que é a luta entre exércitos para apaziguar uma discórdia, para não ser imoral, tem que ser declarada pela autoridade pública legítima, por motivo justo e conduzida por meios legais.
Para ser lícita tem que haver: i) justa causa; ii) esgotamento dos meios de conciliação. A guerra defensiva é sempre lícita, pois é outro caso de legítima defesa7.
Pecados contra esse Mandamento
Como ocorre com os demais Mandamentos, o título pelo qual ele é conhecido é tão somente um resumo ou o principal preceito do referido Mandamento, mas não o esgota totalmente. Como visto, o V Mandamento tem por escopo proteger a vida humana. Mas não só isso, como também proteger a vida da alma, uma vez que o homem é um ser composto.
Em relação à vida do corpo
Homicídio voluntário ⇒ é um dos pecados que clama ao céu por vingança. É direto quando se mata injustamente. É indireto quando se coopera com a morte insjusta. É um pecado que clama vingança aos céus. Como ensina Santo Afonso, a própria consciência e as circunstancias de vida do homicida o perseguirá nesta vida8.
O homicídio abrange ainda outras espécies de pecados9:
- Suicídio direto é sempre pecado porque é um subtipo de homicídio10.
- Aborto; além de pecado contra o V Mandamento é crime é punido pela Igreja com a excomunhão latæ santentiæ — automática — de todos os que colaboram tanto material como formalmente. A esse respeito está escrito11:
Eis que nasci na culpa, minha mãe concebeu-me no pecado (Sl 50,7).
Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações (Jr 1,5).
- Eutanásia direta ⇒ consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas12.
Eugenismo ⇒ é a melhoria genética dos seres humanos, através do extermínio de doenças genéticas congênitas.
Em relação à saúde do corpo
Ainda são pecados contra o V Mandamento, mas não contra a vida humana propriamente: mutilação (a não ser que seja com o intuito de manter a vida, pois a parte não é maior que o todo), ira (dirigida a pessoas), gula, penitências exageradas (que cause mal à saúde). Não são lícitos também a agressão de qualquer modo, como vingança ou sequestro e a guerra injusta13.
A ira, quando provoca o mal desejo, é pecado mortal. Quanto a isso aconselha-nos o Espírito Santo: “Uma resposta branda aplaca a ira, uma palavra dura excita a cólera” (Pr 15,1).
Em relação à vida da alma
Escândalo ou o mau exemplo ⇒ é a atitude ou comportamento de alguém que leva outro a fazer o mal. Pode ser direto, quando intencional, ou indireto, quando sem intenção.
Condições para o escândalo:
- é preciso que seja um ato exterior;
- é preciso que seja um ato mau na essência ou na aparência;
- é preciso que esse ato induza de algum modo o próximo a pecar.
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Nota
- O assassínio é uma dos pecados especiais que clamam a vingança dos céus, como se pode ler nesse texto. Diz Davi: “Os homens sanguinários e ardilosos não alcançarão a metade de seus dias” (Sl 54,24). ↩︎
- Não somente à vida, mas à saúde, bens ereputação do próximo. De certa forma os VII e VIII mandamentos são extensão deste. ↩︎
- Nem sempre é lícito matar para repelir agressões injustas. Com relação aos bens materiais, é necessário que: i) os bens sejam de importância; ii) não existam recursos outros para salvar ou reaver os bens roubados. ↩︎
- É certo que não é qualquer crime que exige a vigança pública da sociedade. É necessário que o crime seja pernicioso para a sociedade toda, como homicídio, tráfico de drogas, corrupção de bens públicos e da Fé. ↩︎
- Bergoglio modificou esse ponto da Fé, sendo uma das heresias mais notórias e manifestas de seus dias. ↩︎
- Aqui não está em análise os impactos negativos na pessoa do carrasco, como a frieza adquirida com os anos de execução. A possibilidade, mesmo que teórica, tem que ser pregada porque foi isso que Deus revelou desde o Antigo Testamento. ↩︎
- Aos militares e beligerantes não é lícito matar sem ordem e fora do campo de batalha. ↩︎
- A história de Constante II, imperador do Império Bizantino no século VII, que mandou matar o irmão Teodósio. Passou a vida assombrado pela visão do irmão falecido. ↩︎
- São os mais graves dos homicídios: aborto — crime de excomunhão automática —, infanticídio, patricídio, parricídio e assassinato do cônjuge. ↩︎
- Suicídio indireto ⇒ quando alguém pratica algum ato bom ou neutro que ocasiona a própria morte. Não é pecado quando for feito por necessidade: i) salvação pública (sacrifício); ii) benefício de ordem espiritual; iii) temor de algum perigo iminente.
Por exemplo, quando a morte é certa, é possível escolher uma maneira menos dolorosa de morrer, como no caso de alguém preso em um íncêndio num prédio e se joga lá de cima para livrar-se da dor das chamas. ↩︎ - Santo Afonso assim fala so aborto: “Oh! que grande pecado é este! Fazer aquela criancinha morrer sem o batismo é o mesmo que fazê-la perder a alma por toda a eternidade. Que remédio tão bárbaro querer remediar o pecado cometido com um pecado tão maior!” (Instruçãos aos católicos, 1ª parte, cap. 5, IX, destaques nossos). ↩︎
- Distingue-se da ortotanásia, que é quando não se faz tratamento para se prolongar a vida, ou não se investe em meios artificiais para manutenção de um estado terminal. Difere essencialmente de medidas como cortar nutrição ou provocar a morte diretamente, como desgraça moral do suicídio assistido, permitido em países liberais. ↩︎
- Este Mandamento, obviamente, não diz respeito aos animais. Eles podem ser caçados e abatidos para comida, porém, deve-se dar-lhes a morte menos dolorosa possível. A proibição de maus tratos aos animais não se deve por causa deles em si mesmos, mas por ser indigno da condição humana. ↩︎