Texto originalmente em Apologética Católica.
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Interpretação metafísica da teoria da evolução
Gostaria de fazer uma interpretação metafísica ou ontológica da teoria da evolução, com base na causalidade, e submetê-la à apreciação dos confrades.
Em primeiríssimo lugar, não se trata de negar a teoria da evolução. Embora eu não seja evolucionista, considero que, em princípio, ela seria possível, mas, como a ciência moderna afastou-se das bases filosóficas que a sustentam, acho interessante fazer essa interpretação.
Para começar, é necessário se ater à distinção entre espécie metafísica e espécie biológica. A espécie metafísica tende a ser mais ampla do que a biológica, pois necessariamente inclui as variações acidentais (que não modificam a natureza ou essência do ser em questão), ao passo que a espécie biológica pode considerar essas variações acidentais, como de fato se nota na nomenclatura dessas espécies. A partir daí, passaremos a considerar, à luz da causalidade, como se dá o processo gerativo.
A geração me parece corresponder, com grande propriedade, ao modo de causalidade que, na ontologia, se chama causalidade unívoca, ou seja, quando a forma da causa e do efeito são idênticas. Na causalidade unívoca, a causa transmite ao efeito a forma que possui realmente, e não virtualmente, e isso independe de ser aquela causa principal ou acidental. Por exemplo, ao se tocar na panela de água fervente, a forma do calor é transmitida ao corpo que está em contato com ela. Esse tipo de causalidade é diferente da causalidade análoga, que se dá quando a causa, ao invés de possuir realmente a forma do efeito que irá causar, a possuir, no entanto, virtualmente (porque o efeito não pode ser maior do que a causa). Exemplo: o escultor possui virtualmente, na intenção, a forma do objeto que irá criar. Pois bem, a reprodução biológica é um exemplo de causalidade unívoca, na qual o ser se reproduz, transmitindo assim, a outro, a sua forma substancial, a forma de sua essência, dado que é como ser que ele atua; é a sua natureza que se atribui o poder de gerar, conquanto, acidentalmente, não transmita ao ser gerado todas as suas formas acidentais. Assim, uma modificação genética pode gerar mutações, mas serão sempre mutações acidentais, se dependerem só da potência do ser que tem por finalidade reproduzir-se.
Feitas essas considerações, cabe perguntar: Como pode um ser reproduzir-se, e dar-se mutações essenciais, como preconiza a teoria da evolução? Minha resposta é: se houver causas eficientes além da natureza do ser que se reproduz, não se dará a causalidade apenas unívoca, mas também causalidade análoga, fazendo com que a nova forma substancial ou mutação essencial esteja virtualmente em posse dessas causas. Mas que outras causas eficientes seriam essas? Não podem corresponder, penso eu, às formas acidentais do ser gerador de vida, mas podem corresponder a causas que sobre ele atuem direta ou indiretamente, como o ambiente no qual se desenvolve, o tipo de alimento que ele consome, condições climáticas, etc. Se tais causas tiverem o poder de influenciar suas potências geradoras ou serem causas, com ele, do processo gerativo, elas podem produzir um efeito que é maior do que a mera natureza do sujeito cuja finalidade é reproduzir-se, um efeito mais perfeito. Os acidentes genéticos seriam capazes de até criar seres deficientes em relação à natureza que lhes deu origem, mas não que ultrapassassem a virtualidade presente naquela natureza. Seriam as causas eficientes análogas que não apenas enfraqueceriam o efeito da causa principal eficiente, dando lugar à causalidade acidental, mas que possuiriam, também, elas próprias, virtualmente, a forma do produto final.
Por fim, cabe perguntar: Alguma vez a ciência biológica pôde observar, na natureza, um tipo de mutação essencial, ou seja, que vá além da mera diferenciação entre espécies biológicas, mas que seja uma transformação de uma natureza em outra por meio da geração? Se, nesse processo, ela considera que podem intervir outras causas eficientes além das próprias capacidades reprodutoras do sujeito? Se ela responder afirmativamente à segunda pergunta, creio que não há incompatibilidade entre a teoria da evolução e a metafísica.