Continuamos a série de traduções dos textos do padre Cekada acerca da Semana Santa (anteriores aqui: Domingo de Ramos; posteriores: Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Vigília Pascal). Texto original aqui.
Tradução por Karlos Guedes.
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O Ofício de Trevas: Rito Antigo vs. Rito de 1955
UMA DAS cerimônias mais dramáticas e místicas da Semana Santa era o canto nas grandes igrejas do Ofício de Tenebræ (“Trevas”) nas noites de quarta, quinta e sexta-feira. Consiste nos Ofícios de Matinas (nove Salmos, nove leituras) e Laudes (cinco Salmos, o Benedictus, uma antífona, Salmo 50 e uma Coleta) do Breviário. Estas Horas são cantadas em uma igreja que vai escurecendo, enquanto as quais quinze velas em um candelabro triangular (tenebrário) são apagadas uma por uma durante o curso da cerimônia.
No final, tudo está na escuridão enquanto o coro canta a antífona Christus factus est (Cristo Se fez obediente até a morte) e então o Salmo 50, o Miserere. Gregorio Allegri (1582-1652) compôs seu agora famoso Miserere de uso litúrgico para esse momento do canto de Tenebræ na capela papal.
O celebrante canta a Coleta de modo sombrio. Todos na igreja então batem seus livros nos bancos, um som que simboliza o terremoto na morte de Nosso Senhor. Uma vela (simbolizando Cristo) é mantida na escuridão ao lado do altar, e então colocada no topo do tenebrário. Todos partem em silêncio na escuridão.
Nos ritos da Semana Santa de 1955, as belas características místicas da cerimônia foram abolidas:
• Exceto para quarta-feira à noite em uma igreja onde o bispo vai celebrar a Missa Crismal na manhã de Quinta-feira Santa, Matinas e Laudes devem ser recitadas na parte da manhã em todos os três dias. Assim, a da escuridão invadindo — tenebræ — desaparece. Em vez disso, a igreja está se tornando mais iluminada durante o ritual.
Os reformadores de 1955 (Bugnini e companhia) introduziram essa mudança com base em seu “princípio da verdade”, que também usariam na criação do Novus Ordo. Eles sustentavam que a progressiva extinção das velas se originou porque as Matinas eram primordialmente celebradas na madrugada; cada vez menos as velas eram necessárias para ler os livros enquanto o Ofício era executado porque o sol estava nascendo. Assim, o sacristão apagava as velas desnecessárias ─ economia de energia, talvez, por um Al Gore monástico [1].
Mas e daí? A liturgia é carregada de cerimônias místicas que foram conectadas originalmente com funções práticas. Os reformadores destruíram o simbolismo.
• Também abolido em 1955: Salmo 50, o Miserere, dramaticamente recitado na escuridão, seja em um silêncio monótono, ou em um ambiente polifônico desolador. Adeus, Allegri ─ vejo você na sala de concertos.
• E, finalmente, Bugnini e companhia declararam que o terremoto ocorre. O “princípio da verdade” dos reformadores nos diz que ele se originou com a dupla batida no estande do coro que o superior dá como sinal do fim do Ofício.
Assim, não mais fit fragor et strepitus ─ o trovão dramático e fúnebre na escuridão.
Apenas uma batida em uma igreja cheia de luz para anunciar o café da manhã ─ e, finalmente, em 1969, “Felizes os convidados para a ceia”.
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Nota do tradutor
[1] Albert Arnold “Al” Gore Jr. (Washington, 31 de março de 1948) é um jornalista, ecologista e político norte-americano.
O ano no título está errado, é 1955 não 1995.
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