CONTRA A OBEDIÊNCIA CEGA

obediencia

No movimento tradicionalista exite um problema radical que é o da desobediência. Já me ocorreram alguns problemas quando afirmei isso em ambientes tradicionais, normalmente sendo hostilizado e banido. Falta a esses um pouco de paciência e, talvez, maturidade — emocional e intelectual — para ouvir críticas e percebê-las de modo não necessariamente ruim.

Ninguém pode negar que a tradição nasceu da desobediência. Entenda-se, aqui, a desobediência material, pois que formalmente não se queria desobedecer à alta hierarquia eclesiástica, mas salvar a Fé ameaçada pelo modernismo de Roma.

Ao se ver a situação atual dos grupos tradicionalistas, percebe-se que esse ato material tende a tornar-se formal: eis a explicação das contendas e dos diversos grupos.

Logo se poderia dizer: “Então a melhor escolha é a obediência cega!”. Ora, não diz um antigo adágio que «o abuso não tolhe o uso»? A obediência cega, empiricamente, já se provou um grande problema e um enorme mal na vida da Igreja. Contudo, para além das questões práticas, a obediência é um virtude moral, conexa com a justiça, pela qual o subordinado se sujeita ao legítimo superior.

Entretanto, as virtudes morais não são absolutas; têm limites! E esses se dão quando ultrapassam o direito de uma tríade de outras virtudes superiores, chamadas teologais. A obediência (e qualquer outra virtude moral) cessa de obrigar, inclusive sob pena de pecado mortal, quando sua observância implica ir contra a Fé, a Esperança ou a Caridade! É neste pequeno adendo que residem o problema da obediência cega (de grupos neoconservadores da Igreja) e a legitimidade dos questionamentos da tradição.

Por isso, segue o texto originalmente concebido no Apologética Católica, da autoria de Thiago.

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Questionar não é desobedecer

Recentemente fui novamente alvo de perguntas sobre a raiz do movimento tradicionalista  e se nela não estava embutida uma desobediência crônica. Eu até admito que concretamente a desobediência se tornou o prato do dia de muitos grupos, mas na base do tradicionalismo o que está presente é o questionamento. Questionar não é o mesmo que desobedecer.

A obediência é uma virtude moral, não teologal. Entre as duas categorias há uma diferença fundamental: não é possível pecar por excesso nas virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade), porque tendo Deus por objeto direto, quanto mais se crê, mais se espera e mais se ama. Nas virtudes morais, entretanto, pode-se pecar por excesso ou por falta. Quanto à obediência, peca-se por defeito quando não se executa uma ordem legítima, ou seja, que se encontra no âmbito da competência do superior; nesse caso, há desobediência; peca-se por excesso contra a obediência quando se obedece a coisas contrárias a uma lei ou um preceito superiores; nesse caso há servilismo (Roberti, Dizzionario de Theologia Morale, Ed. Studium verbete ubbidienza).

Por isso São Francisco de Sales escreveu (Centelhas Espirituais, cap. IX, pp. 170-171):

Muitos se enganaram profundamente ao crer que a obediência consista em cumprir, com ou sem razão, tudo que nos é mandado, mesmo quando for contrário aos mandamentos de Deus e da Santa Igreja, no que erraram sobremaneira (…) porque em tudo que diz respeito aos mandamentos de Deus, os superiores não têm faculdade para dar uma ordem contra eles e os subordinados não têm jamais obrigação de obedecer em tal caso. Pior ainda: se obedecessem, cometeriam um pecado.

Assim, o dever de obedecer pressupõe sempre que a ordem do superior seja sempre legítima. Caso contrário, não há obediência e sim, pecado contra a obediência. E para a obediência perfeita, também chamada “cega” o Padre Persh escreveu (Prælectiones Dogmaticæ, t. 9, 1923, nn 261 s.):

Para que ocorra um ato de obediência é necessário que o subordinado veja duas coisas:

  1. Que quem manda é um superior competente.
  2. Que aquilo que ele manda não é um pecado.

Para assegurar-se desses dois pontos, a obediência deve enxergar e não ser cega… Em que sentido então se fala de obediência “cega” como ato perfeito de obediência? No sentido de que, estando seguros acerca dos dois pontos acima, tanto da competência do superior quanto da liceidade de sua ordem, nós excluímos a prudência carnal, que torna odioso para nós tudo aquilo que vai contra nossa natureza corrompida e nos estimula a buscar razões para subtrairmo-nos aos preceitos desagradáveis.

Foi precisamente a falta de questionamento das autoridades, num contexto de dúvida quanto à legitimidade formal e material do que era ordenado, que permitiu a implantação das “reformas” pós-conciliares com todas as conseqüências negativas que conhecemos. A pergunta que os críticos do tradicionalismo devem fazer é: isso foi melhor para a salvação das almas?

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