O texto que se segue, de autoria de Raphael Cavalcanti, tem como referência o livro Curso de Liturgia Romana de dom Antônio Coelho, OSB.
A série de textos versarão sobre a liturgia sacrifical, o sacrifício judaico, o sacrifício da cruz e o sacrifício da Missa. A presentamos agora o primeiro dos textos.
****************
O Sacrifício, principal ato do culto
A Liturgia é o culto da Igreja. O culto é essencialmente honra – manifestação da excelência divina; reverência – protestação da submissão interior da criatura à superioridade e domínio de Deus.
Este ato reverencial é, algumas vezes, exercido por uma das virtudes morais ou teologais, imperado pela virtude da religião; outras constitui um ato elícito desta mesma virtude.
Num e noutro caso, o ato, imperado ou elícito, tem como finalidade característica, específica, dar glória a Deus. Tal ato do culto pode ser: adoração, ação de graças, impetração e propiciação.
Adoração: O adorador cala-se, funde-se, apaga-se, abisma-se na presença do Ser que adora, confessando que o objeto do seu culto tem todas as perfeições, todos os direitos, todo o ser enfim; de tal modo que, comparado com Ele, tudo o mais é como se não existisse.
Ação de graças: Os agradecimentos das criaturas são os elos de ouro que vão encadeando num rosário sem fim os inúmeros dons da liberalidade divina.
Impetração: Inclinado, dobrado – supplex – diante da majestade divina, o homem pede. A súplica é a confissão da própria indigência e o reconhecimento da munificência dum Deus benfeitor.
Propiciação: O homem pecou. A sua culpa exasperou a divindade. E o seu culto, até então amor inocente que adorava, agradecia e pedia, é agora amor arrependido que expia, para com o abismo da sua miséria excitar o abismo da misericórdia de Deus e tornar propícia a imensa bondade divina que vem levantar a imensa degradação da criatura.
O ato que reúna em si esta quádrupla finalidade, será, sem contestação alguma, o ato principal da virtude da religião. E se este ato for público, social, instituído ou aprovado pelo Divino Fundador da sociedade eclesiástica ou pelos seus ministros, e exercido ex officio por um membro categorizado da Hierarquia, será o ato principal da liturgia.
Ora tal é o Sacrifício, como adiante se provará.
1 O Sacrifício, ato central da Liturgia
Mas o Sacrifício não é apenas o ato principal da Liturgia; é também o ato central.
Qual luz cintilante que, encerrada numa urna de alabastro, dá relevo aos contornos do vaso, o Sacrifício, colocado no centro da Religião, como o altar no ponto de encontro de todas as linhas arquiteturais do templo, esclarece todos os seus elementos, desde as mais elevadas verdades do dogma até as práticas mais humildes da moral.
Em volta do Sacrifício gravita a Oração Oficial da Igreja, erguendo-se ao céu em suaves ondulações, em ascendentes espirais de louvor; desenrolam-se num ciclo admirável, a Encarnação, a Redenção, a Eucaristia, a Igreja, a Graça, todas as verdades sobrenaturais – sublimes manifestações do sacrifício, pois a verdade é o fulgor da sua chama.
O bem é a irradiação do seu calor. Vida cristã, vida religiosa, vida sacerdotal, com a sua plena eflorescência de ascetismo e misticismo, só se desenvolve, se for impregnada e animada pela seiva vivificante do sacrifício, que se derrama na alma através dos canais dos Sacramentos. Ressuscitada, alentada, confirmada, robustecida por esta seiva que é a graça, a alma vive. Mas a energia da sua vida é graduada pela escala das suas imolações.
A causa final, sendo a primeira na intenção, precede logicamente as outras causas constitutivas de um ser. Ver-se-á, pois: a finalidade do Sacrifício em geral; e a sua essência.
2 A Finalidade do Sacrifício
Fim das criaturas é a glória de Deus.
Deus, ser infinito e bondade suprema, não pode propor-se, em suas operações, imanentes ou transeuntes, um fim distinto de Si mesmo. Portanto, o Eterno Pai é, no seio da SS. Trindade, o termo no qual se recapitulam (para empregar uma palavra tão usada pelos Santos Padres gregos) o Filho e o Espírito Santo, que procedem dEle como de princípio sem princípio.
E as três Pessoas Divinas, que são por igual título, em virtude da Sua essência una, o princípio criador de todos os seres, são também o termo último para o qual tendem essencialmente todas as criaturas. Realizações de um ideal existente desde toda a eternidade na mente divina, efeitos de um amor que se difunde em expansões de uma generosidade infinita, as criaturas devem restituir a Deus, sob forma de louvor, o que dEle receberam, por essa operação inteligente e amorosa que as tirou do nada e conserva no ser. Este louvor manifesta e exalta as perfeições infinitas de Deus; dá glória a Deus; é este o fim de todas as criaturas.
As irracionais realizam este fim, sem dúvida, mas, como carecem de inteligência e liberdade, realizam-no inconsciente e uniformemente. O desenvolvimento da sua natureza e o exercício da sua atividade segundo as leis fixas dadas por Deus, é um hino eloquente desferido ao Criador. Nele se harmonizam as vozes dos astros e dos átomos, dos ventos e das fontes, dos cedros e das violetas, do leão que ruge na floresta e do inseto que corta os ares zumbindo.
O homem realiza este fim: pela oblação e pelo sacrifício.
2.1 Oblação
O homem, apesar de ser uma corda estalada na harpa da criação, vibra ainda, e a sua sonoridade é tão deliciosa e canta tão alto os atributos divinos, que se pode apinhar o êxtase dos céus ao ouvirem as primeiras melodias dos arrebóis, logo manchados, da madrugada da humanidade. O homem pode ainda soerguer a inteligência e vontade acima da sua natureza fendida, prender e afinar essa corda partida, e reassumir no centro do universo o seu papel de cantor e pontífice da criação.
A sua inteligência revela-lhe por detrás da opulência do mundo, que lhe serve de teto e de leito, lhe tece vestidos e oferta alimentos, um Senhor Soberano, proprietário único de todos os seres. Está oculto, mas o ribombar do trovão e o sibilar do vento são indícios da Sua presença e sinais manifestos das iras da Sua vontade dominadora.
O homem sente-se pequenino, um nada, ate a majestade infinita desse Senhor Supremo. Volve os olhos ao redor de si; admira todos os seres do universo; mas sente-se no meio deles como estrangeiro. Se eles são a propriedade de um Ente Soberano que tem na Sua mão, para defender os seus direitos, todas as forças da natureza… E ousará o homem tocar-lhes?
Mas se o homem necessita deles… Se só a madeira e o ferro lhe podem fornecer os instrumentos do seu trabalho; se só os animais e as plantas lhe podem vestir a nudez e matar a fome… Sim; o homem vê-se obrigado a converter em seu uso os bens desse Senhor Invisível.
Mas antes de lhes lançar mão, saberá reconhecer os direitos incontestáveis e supremos desse proprietário. Mais; saberá confessar que ele mesmo depende, na sua existência, na sua atividade, no seu fim, desse Senhor universal; saberá proclamar o absoluto domínio desse Ente que é um Deus.
Como? Oferecendo-Lhe as aves do céu, animais dos campos, frutos da terra; pagando-Lhe sobre todos os seres de que necessita para sua utilidade pessoal, um tributo – dízimos e primícias. E estas ofertas, uma vez colocadas no altar de Deus, deixam de ser profanas, são sagradas; pertencem à Divindade, não só porque dEla provêm, mas também porque Lhe são dedicadas pela oblação livre do homem. Estão sobre o altar. Se, porém, o homem não for fiel, poderá deitar-lhes a mão e apoderar-se de novo delas para seu uso profano. A oblação não exprime, pois, o pleno domínio de Deus sobre as criaturas.
2.2 Sacrifício
E não haverá outro meio pelo qual a coisa oferecida passe completamente e irrevogavelmente para a posse de Deus, de modo que o homem nunca mais a consiga recuperar?
Sim; este meio existe; e o instinto do homem não tardou a descobri-lo. É a inutilização da oferta – cremação de uma substância sólida, efusão de um líquido, morte de um animal.
Oferecida, a coisa cessa de pertencer ao homem; destruída, deixa de lhe ser útil: o homem já não a pode empregar em usos profanos. A oferta imolada exprime exata e eficazmente de uma parte, a radical dependência da criatura; da outra, o absoluto domínio do Criador.
O Criador deu a vida ao homem. E que faz o homem para protestar que esta vida lhe não pertence, que lhe vem de Deus, é de Deus e para Deus, e que Deus tem sobre ela pleno poder? Ousará tirar a si mesmo a vida para a restituir ao Criador? Não; que se Deus concedeu a vida ao homem, não lhe deu domínio sobre ela. A sua autoimolação seria, não um sacrifício, mas um suicídio.
O homem tem outo recurso. Vai aos seres inferiores; oferta-os, imola-os ao Criador. É o sacrifício, testemunho evidente do direito de vida e de morte que Deus tem sobre todos os seres, e humilde confissão da sujeição da criatura a Deus; realização do fim imposto a toda a criação – dar glória a Deus.
2.2.1 Quatro fins do sacrifício
Esta finalidade genérica, comum a todos os sacrifícios – dar glória a Deus, proclamando a soberania do Criador e a sujeição da criatura – abrange uma quádrupla finalidade específica.
i. Latrêutico. Deus é o Criador, conservador e fim de todas as criaturas. Portanto, tem um direito absoluto sobre elas, sobre a sua natureza e atividade. Esta deve ser empregada no serviço do Senhor. Este serviço não aumenta, é certo, a glória intrínseca de Deus, mas contribui sempre, quer direta, quer indiretamente, para Sua glória extrínseca. É um ato de culto, um ato de latria – serviço.
Ora, de todos os atos da criatura, o que mais serve para a glória de Deus, o que mais a engrandece, é o sacrifício. Tomar um ser e oferecê-lo a Deus, destruí-lo, imolá-lo em seus altares, é proclamar altamente a onipotência criadora de Deus, a Sua providência, o Seu direito soberano sobre todos os seres; e em verdade, embora sob o símbolo da vítima imolada, abismar-se, aniquilar-se na presença da majestade divina; é adorar.
O sacrifício é, portanto, um ato de adoração, de sujeição – latrêutico.
ii. Impetratório. Pedir é dirigir-se à vontade de outrem, influir sobre ela, para a mover a conceder liberalmente um dom. Ora não há nada que tanto abrande e disponha a vontade do homem, como o elogio das suas virtudes e a exaltação das suas ações. Por isso o homem, quando pede, faz preceder as súplicas de louvores.
Admitido à audiência de Deus, o homem não pode esquecer nem abandonar os seus processos humanos. Antes de pedir, louva. Ora, o sacrifício é a forma mais perfeita do louvor. Aqui, por um vivo contraste com a dependência, a indigência, o nada da criatura, sobressai mais grandiosa, mais sublime a soberania de Deus. Deus é mais louvado; e olhando para os dons que o homem lhe dedica e sacrifica, não pode deixar de ver neles, a par de uma adoração, uma súplica e cumular de novos dons o abismo da indigência humana.
O sacrifício é, pois, impetratório.
iii. Eucarístico. Uma graça recebida deve ser agradecida. Este agradecimento, além de ser um penhor de novas graças, é o cumprimento de um dever de gratidão. O homem sabe-o e, no seu sacrifício, junta à adoração e impetração a ação de graças.
Mais; as vítimas sacrificadas são, é certo, dons oferecidos pelo homem a Deus; mas nunca o homem os poderia dar a Deus, se primeiramente não os tivesse dEle recebido. A criatura dá a Deus os dons de Deus e é por isso que o seu sacrifício é essencialmente uma ação de graças, uma eucaristia.
O sacrifício é, pois, eucarístico.
iv. Expiatório. Ao apresentar-se diante de um Deus que é a santidade essencial, o homem sente a consciência atravessada pelo remorso e vê a alma manchada pelo pecado. Não é um inocente; é um culpado, que ofendeu a Majestade Infinita a Quem vai sacrificar. Tem, por conseguinte, necessidade de se purificar no sangue da vítima, de a oferecer e imolar, em substituição de si mesmo, para atrair o olhar propício da Divindade ultrajada, para expiar os seus pecados e resgatá-los por uma satisfação condigna. Ora, a destruição da coisa oferecida inculca naturalmente esta ideia de punição, de castigo. O homem pecou. Por seu pecado, mereceu ser aniquilado por Deus, privado da vida de que fez tão mau uso. Mas, não podendo imolar-se a si mesmo para expiar o seu próprio pecado, sacrifica um ser inferior.
O sacrifício é expiatório.
Estes quatro fins são, no presente estado de pecado, essenciais a todo sacrifício. Mas um deles pode predominar e então o sacrifício será especificamente ou latrêutico, ou impetratório, ou eucarístico ou expiatório.
3 Essência do sacrifício
O termo sacrifício – de sacrificare, sacrum facere – significa tornar, fazer sagrado. Ora, sagrado é tudo o que é separado das coisas profanas, para ser dedicado à Divindade. Logo sacrifício exprime a ideia de separação, de privação; inclui todos os atos custosos à natureza humana.
Neste sentido, menos próprio, o termo sacrifício designa a sujeição interna da inteligência e da vontade a Deus. Significa também os atos externos de virtude, que procedendo direta ou indiretamente da virtude da religião, são ordenados para a glória de Deus. Assim, a oração, a mortificação, as obras de misericórdia, etc., são outros tantos sacrifícios que o homem oferece a Deus. De fato, o exercício da virtude é uma oblação que o homem faz de si mesmo a Deus, e uma imolação dos apetites desordenados da sua natureza corrompida.
Foi neste sentido que Lactâncio pôde dizer: «Quisquis igitur omnibus praeceptis caelestibus obtemperaverit, hic cultor est verus Deus, cujus sacrificia sunt mansuetudo animi et vita innocens et actus boni. Quae omnia qui exhibet, toties sacrificat, quoties bonum aliquid ac pium fecerit» (Divin. Instit. 1. VI, c. 24). [1]
E Sto. Agostinho: «Verum sacrificum est omne opus quod agitur, ut sancta societate inhaereamus Deo» (De Civitate Dei, X,6). [2]
No sentido próprio, real, o sacrifício pode definir-se: a oblação de uma coisa sensível, acompanhada da sua destruição, feita a Deus, para reconhecer o Seu supremo domínio, por uma pessoa legitimamente constituída. Esta definição encerra vários elementos que vamos considerar sucessivamente: termo, agente, vítima, oblação, imolação, fim e, complementarmente, comunhão.
i. Termo. O termo do sacrifício é Deus. Deus é esse Senhor Supremo, proprietário invisível de todas as criaturas, a Quem o homem teme, respeita e adora. Só a Ele, Deus verdadeiro ou considerado como tal, oferece sacrifícios.
«Quem pensou jamais que se possam oferecer sacrifícios a alguém que não seja o Deus verdadeiro e único, ou àquele que se supõe ser Deus? É certo que homens cheios de orgulho se atreveram a exigir honras só a Deus devidas, mas poucos levaram a audácia até ao ponto de ordenarem que lhes oferecessem sacrifícios, embora fossem assaz poderosos para o exigir. E os que assim procederam pretenderam fazer-se passar por deuses» (Santo Agostinho, De Civitate Dei, X,4).
ii. Agente. Por agente entende-se aqui a pessoa legitimamente constituída para sacrificar à Divindade. Nem sempre é uma só. Por vezes é uma encarregada da imolação, outra da oblação. Mas de ordinário é a mesma pessoa que oferece e imola – o sacerdote, o pontífice. Este é o chefe da família ou da tribo, um membro determinado da família, uma pessoa designada pela autoridade e revestida da dignidade sacerdotal.
iii. Vítima. Sendo o homem, por um lado, o ser mais perfeito da natureza, por outro, o único consciente da sua dependência e culpado de ter ofendido ao Senhor, parece que o homem devia ser não só o sacerdote, mas também a vítima do sacrifício. E de fato, encontram-se em épocas remotas, entre certos povos como gregos, romanos, germanos e celtas, testemunhos de sacrifícios humanos, conquanto raros.
Habitualmente o homem, sabendo que não tem direito sobre a própria vida, e tendo horror a derramar o seu sangue ou o dos seus semelhantes, substitui-se a si mesmo nos altares dos deuses um ser inferior.
Esta ideia de substituição é essencial ao sacrifício, especialmente ao sacrifício de expiação. É significada por diversos ritos assaz expressivos, como a imposição das mãos sobre a cabeça da vítima. E conta Heródoto que no Egito o boi, que devia ser imolado, era marcado com um selo representando um homem de joelhos, atado a um poste, coma as mãos ligadas atrás das costas e com a garganta atravessada por uma faca – imagem da função que a vítima ia desempenhar por substituição.
As vítimas variavam, conforme as religiões e segundo os fins do sacrifício, desde os animais e frutos aos líquidos e substâncias aromáticas.
iv. Oblação. Dupla operação é exercida sobre a vítima que o homem destina à Divindade – a oblação e a imolação.
A oblação é o rito pelo qual o homem oferece a Deus um dom, para reconhecer o seu domínio, conciliar a sua benevolência, agradecer os seus favores. Este rito imprime à oferenda um caráter sagrado que a separa de todas as coisas profanas, subtraindo-a aos usos terrestres e dedicando-a exclusivamente ao serviço de Deus.
v. Imolação. Mas para caracterizar mais nitidamente a ideia de que a coisa oferecida deixa de lhe pertencer, o homem decide separar-se dela completa e definitivamente. Destrói-a, transportando-a assim do uso dos mortais para o mundo invisível a que é destinada.
Esta destruição é elemento específico ajuntado ao elemento genérico para fazer da oferenda um sacrifício. Pode consistir em queimar substâncias aromáticas – mirra, incenso. Em derramar (inutilizando-os e, portanto, equivalentemente destruindo-os) certos líquidos – vinho, azeite; em matar animais – aves, quadrúpedes. É designada pelo termo comum de imolação que, embora signifique mais propriamente a efusão do sangue dos animais, se estende a todas as destruições cultuais.
É certo que na “III Semana de Etnologia Religiosa”, reunida em Tilburgo, Holanda, em setembro de 1922, o jesuíta Schmidt sustentou que os sacrifícios primitivos consistiam na oblação sem imolação, opinião esta com que muitos teólogos folgariam poder pôr termo às longas controvérsias sobre a essência do Sacrifício da Missa. No entanto, desde que o homem se aperfeiçoa e sai do estado primitivo, ajunta sempre à oblação a imolação. A imolação é a nota característica do sacrifício.
vi. Fim. O fim primordial do sacrifício é a proclamação do soberano domínio de Deus. Para os semitas, o sacrifício, ao mesmo tempo que é a expressão, por um ato solene, da ideia de que tudo pertence a Deus e o reconhecimento dos Seus direitos, é também a expressão do desejo de se aproximar dEle. Sendo este desejo a própria base do sentimento religioso, o sacrifício é o ato religioso por excelência.
Em certas religiões, como no bramanismo, o desejo de se unir com a divindade dava ao sacrifício uma modalidade de contrato – do ut des. O homem apresentava as suas oferendas e os deuses pagam-lhe com seus favores.
Um rito especial significava e garantia esta união com Deus: o sangue da vítima era derramado em cima ou ao lado do altar, e a carne comida pelos oferentes num banquete ritual.
«A oferta, consagrada, sacrificada, é desde este momento imbuída duma virtude sobrenatural. A quem incorporar ou assimilar fornecerá o meio de entrar mais intimamente em relação com o espírito que a tocou com a sua influência ou que nela habita, de se associar a ele, de contratar ou renovar com ele um pacto ou aliança. É a comunhão» (Huby, Christus, p. 67).
vii. Comunhão.
A) Comunhão com a divindade: O Ente Supremo, depois de ter aceitado as ofertas das criaturas, transforma o altar em mesa e os oferentes e sacrificadores em comensais. A divindade alimente-se do odor do sacrifício e os homens das carnes da vítima imolada: comungam. Pela comunhão a vida divina é comunicada aos convivas.
B) Comunhão com os cooferentes: «Nesta festa (das feriae latinae, em abril, no Lácio) imolava-se uma vitela branca, sem mancha, que ainda não tivesse trazido o jugo, e a sua carne era repartida pelos deputados da confederação latina. Não participar dela implicava ruptura dos laços que unia as cidades entre si. Proclamava-se uma trégua para toda a duração da festa e renovavam-se as alianças. Estamos aqui, escreve Warde Fowler, em presença de uma das mais antigas e belas concepções da raça latina, que todos os anos reconhece a sua comunidade de sangue, selando-a pela participação comum da mesma vítima sagrada. Entravam assim os diferentes povos em comunhão com a divindade, com a vítima e uns com os outros» (Id., ibid., p. 354, nota).
A comunhão é o rito complementar do sacrifício.
NOTAS
(1) A natureza do objeto oferecido, a imolação, o estado em que se encontra a carne da vítima, tudo sugere a ideia duma refeição com Deus. Convida-se Deus a comer, sem dúvida, para Ele Se associe à refeição; mas, como a vítima Lhe foi oferecida de antemão e se tornou sacrossanta pela imolação, é, propriamente falando, o homem que se assenta à mesa de Deus (Lagrande, Études sur les Religions sémitiques, Paris, 1909, p. 274).
***
Notas do revisor
[1] Tradução do revisor: “Quem, portanto, obedecer a todos os preceitos celestes, este é um adorador do Deus verdadeiro, cujos sacrifícios são a mansidão de coração e vida inocente e as boas ações. E todos que [assim] agem, oferecem um sacrifício, tão frequentemente quanto fazem uma ação boa ou piedosa”.
[2] Tradução do revisor: “O verdadeiro sacrifício é toda obra feita para nos unirmos a Deus em santa comunhão”.
Pingback: CATECISMO CONTRA OS PROTESTANTES | Pela Fé Católica
Pingback: O SACRIFÍCIO DA CRUZ | Pela Fé Católica
Pingback: Missa Tridentina no Recife
Pingback: Os sacrifícios judaicos | Missa Tridentina no Recife
Pingback: SACRAMENTO DA EUCARISTIA (PARTE 2 DE 2) | Pela Fé Católica
Karlos, onde está a quarta parte (o sacrifício da Missa)?
CurtirCurtir
Infelizmente quem estava fazendo aparentemente não acredita mais nisso.
CurtirCurtir