INTRODUÇÃO AO RITO (PARTE 2 DE 2)

De todos os Ritos que já foram celebrados no Ocidente, pode-se dizer que praticamente o único celebrado é o Rito Romano (que várias vezes denominamos também de Rito Gregoriano) [1]. Todos esses Ritos são chamados muitas vezes de Ritos Latinos porque, em geral, utilizam o latim como língua litúrgica [2].

Os Ritos Ocidentais que abordaremos são: o Rito Romano (o espoco do curso), o Rito Galicano, Rito Ambrosiano, Rito Moçárabe, Uso Dominicano, Uso Sarum. Alguns desses Ritos estão extintos [3].

1 Rito Galicano

Figura 1 — Rito Lionês (variação do Rito Galicano)

Até o século VIII, o Rito Gregoriano, do qual falaremos especificamente em textos futuros, tinha seu uso limitado à cidade de Roma apenas. Portanto, não tinha uma influência tão difundida no Ocidente. O Rito Galicano, que era celebrada na região da Gália (atual França), foi o mais influente dos Ritos no Ocidente no início da Igreja.

Sua origem é atribuída a São Germano Arcebispo de Paris no século VI. O Rito de São Germano foi muito enriquecido pelo Rito Antioqueno, o que o fez ser um elo entre as duas grandes tradições rituais do Oriente e do Ocidente. Além disso, devido à importância francesa, o Rito Romano teve deste grande influência. Depois de ser adotado em Milão, a segunda Sé mais importante, espalhou-se pelo Ocidente.

O início do declínio do Rito Galicano se deu no século XI com Carlos Magno que tentou abolir tanto o Rito Galicano como o Rito Ambrosiano (juntamente com seu pai, Pepino, o Breve). Assim, o Rito Galicano mais antigo, com raízes orientais mais profundas, deu lugar a um Rito Galicano romanizado [4].

O que anteriormente foi o principal Rito do Ocidente, teve finalmente sua extinção forçada pelos esforços do grande liturgista Dom Guéranger (século XIX) que entendia ser o Rito Romano superior a todos os Ritos Ocidentais e, por isso, deveria ser o único a ser celebrado [5].

1.1 Características

  • Reverência ⇒ o sinal da Cruz é feito dezenas de vezes, assim como as bênçãos e os ósculos aos objetos que são passados ao celebrante.
  • Orientação ⇒ voltada para o Altar, ou seja, versus Deum (de “costas” para o povo).
  • Hóstia ⇒ pão ázimo (ao menos no Rito Lionês) [6].
  • Comunhão ⇒ administrado pelo sacerdote diretamente na boca do fiel.
  • Separação ⇒ auditiva, como no Rito Gregoriano, pois o Canon é dito em voz submissa.
Figura 2 — Celebrante na posição da oração no Rito Lionês

1.2 Rito Cartuxo

Figura 3 — Rito cartuxo

Ordem dos Cartuxos é uma ordem religiosa católica semieremítica de clausura monástica e de orientação puramente contemplativa, fundada por São Bruno em 1084. Por isso também é chamada de Ordem de São Bruno.

O Rito Cartuxo é uma variação do Rito Lionês, ou seja, tem raízes galicanas. A austeridade da Ordem reflete-se no Uso Cartuxo, apesar de beber em fontes orientais.

2 Rito Ambrosiano

Figura 4 — Rito Ambrosiano

Tem esse nome porque é atribuído a Santo Ambrósio, Padre da Igreja e Arcebispo de Milão. Os liturgistas discutem se o Rito Ambrosiano é uma variação do Rito Romano ou do Rito Galicano [7].

Após o Concílio Vaticano II, a sobrevivência do Rito Ambrosiano era incerta porque a maioria dos padres que o celebravam começou a usar o novo Missal. Só após 1973 o Cardeal Arcebispo de Milão, apoiado pelo Antipapa Montini (Paulo VI), que fora também Arcebispo de lá, decretou a preservação do Rito Ambrosiano, agora alinhado com as diretrizes do Concílio Vaticano II, reformado aos moldes da Missa Nova.

Atualmente é usado na maior parte da Arquidiocese de Milão (excluindo Monza, Treviglio e Trezzo sull’Adda), em algumas paróquias da Diocese de Como, Bergamo, Novara, Lodi, e na Diocese de Lugano, no Cantão de Ticino, na Suíça.

2.1 Características

  • Separação ⇒ auditiva, como no Rito Gregoriano, pois o Canon é dito em voz submissa.
  • Reverência ⇒ o sinal da Cruz é feito dezenas de vezes, assim como as bênçãos e os ósculos aos objetos que são passados ao celebrante.
  • Orientação ⇒ voltada para o Altar, ou seja, versus Deum (antes da reforma).
  • Hóstia ⇒ pão ázimo.
  • Comunhão ⇒ administrado pelo sacerdote diretamente na boca do fiel.

3 Rito Moçárabe

Figura 5 — Rito Moçárabe

Rito Moçárabe ou ainda Rito Hispano-moçárabe, apesar do nome, é um Rito anterior ao domínio árabe na península ibérica. Não é raro a expressão Rito Hispânico ou Missa de São Tiago Maior Apóstolo, irmão de São João (como retratado em alguns livros litúrgicos).

Como dissemos, São Tiago Maior foi à Ibéria e lá pregou o Evangelho, por isso o Rito Moçárabe é conhecido por esse nome. O término do desenvolvimento do Rito é atribuído a São Leandro de Sevilha e a Santo Isidoro, seu sucessor na mesma Cátedra de Sevilha e Padre da Igreja. É bem certo que o Rito Moçárabe é uma variação do Rito Galicano que sofreu algumas romanizações como o uso do Canon Romano, com aspectos próprios como o canto moçárabe (diferente do canto gregoriano).

Apesar da antiguidade e origem apostólica, o Concílio de Burgos em 1080 determinou a substituição do Rito Moçárabe pelo Rito Romano, reforçado por decreto do imperador Afonso VI. Tal decisão, entretanto, não foi recebida sem oposição por parte dos fiéis e do clero, especialmente em Toledo. Depois da reconquista, em 1085, Afonso VI manteve o Rito Moçárabe em Toledo, onde até hoje é celebrado.

Atualmente, além da Catedral de Toledo, o Rito Moçárabe é celebrado também em mais seis paróquias [8].

3.1 Características

  • Separação ⇒ auditiva, como no Rito Gregoriano, pois o Canon é dito em voz submissa.
  • Reverência ⇒ o sinal da Cruz é feito dezenas de vezes, assim como as bênçãos e os ósculos aos objetos que são passados ao celebrante.
  • Orientação ⇒ voltada para o Altar, ou seja, versus Deum (antes da reforma).
  • Hóstia ⇒ pão ázimo.
  • Comunhão ⇒ administrado pelo sacerdote diretamente na boca do fiel.

4 Usos do Rito Romano

Como dissemos, uso é uma variação de um rito. O Rito Romano era, originalmente, restrito à Roma. Com o tempo, foi natural que cada diocese se inspirasse na Liturgia de Roma, tomando para si o Rito Romano, mas adicionando variações locais.

4.1 Uso Sarum

Figura 6 — Uso Sarum

O Uso Sarum é a variação do Rito Romano que era usada na Diocese de Salisbury e posteriormente adotado amplamente na Inglaterra bem antes do cisma de Henrique VIII. Com a adoção definitiva do anglicanismo na Inglaterra por Isabel I, o Uso Sarum já se encontrava extinto no século XVII. Os católicos ingleses remanescentes fazem uso do Rito Romano.

A importância história de citar o Uso Sarum se dá por causa da conversão de algumas paróquias à Igreja Católica nos anos 80 do século XX [9]. Elas foram autorizadas por Wojtyla a manter a tradição litúrgica anglicana. O Rito assim criado é chamado de Uso Anglicano, baseado no Rito Tridentino, com elementos do Rito Novo, do Uso Sarum e do Livro de Oração Comum anglicano [10]. Utiliza como língua litúrgica o inglês arcaico.

Figura 7 — Uso Anglicano

4.2 Uso Bracarense

Figura 8 — Uso Bracarense

Apesar de sempre ser assim um Uso do Rito Romano, muitas vezes é chamado de Rito Bracarense. Ele é uso do celebrado na diocese de Braga, tendo origem entre os séculos XI e XIII. O Uso Bracarense entrou entre as exceções dos ritos abolidos pelo Papa São Pio V no século XVI quando decretou que no Ocidente todas as dioceses adotassem o Rito Romano [11].

Apesar disso, o Rito Romano foi cada vez mais adotado em Braga e elementos estranhos foram admitidos nas celebrações do Uso Bracarense. No século XX, o Arcebispo Manuel Vieira de Matos, com a aprovação do Papa Pio XI, expurgou tais adições e revisou os textos a fim de voltar à pureza do Uso Bracarense original, tornando-o obrigatório dentro da Arquidiocese (último Missal bracarense foi publicado em 1924). No entanto, desde o Concílio Vaticano II, o Uso Bracarense tornou-se facultativo o que culminará na sua natural extinção.

4.3 Outros Usos

Há dois outros Usos do Rito Romano que têm importância no Ocidente: o Uso Carmelita e o Uso Dominicano.

O Uso Carmelita é Rito usado na Ordem do Carmo (carmelitas) sistematizado por Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém em aproximadamente 1210.

Figura 9 — Uso Carmelita

O Uso Dominicano é Rito usado na Ordem dos Pregadores (dominicanos) fundada por São Domingos em 1215. Seus membros são conhecidos como frades dominicanos (é a ordem de Santo Tomás de Aquino).

Tem menos semelhanças com o Rito Romano do que o próprio Uso Carmelita, apesar deste ter sua origens em Jerusalém e o Uso Dominicano na Península Ibérica.

Figura 10 — Uso Dominicano

5 Conclusão

Diante de tanta riqueza e diversidade ritual, urge uma pergunta: há algum Rito superior, melhor que todos os outros?

Essa resposta é complexa e tem-se que fazer uma distinção objetiva e subjetiva. Subjetivamente, uma vez que o Rito é uma busca da Igreja local ou universal em traduzir a riqueza da Liturgia para diferentes culturas, não há um Rito superior, mas cada um cumpre as exigências dos diversos povos.

Objetivamente, podemos dizer que sim, há um Rito que é maior e superior a todos os demais: se há um Rito que explicite sem dúvidas e pormenorizadamente a realidade que se celebra na Santa Missa, este será o Rito mais perfeito. Como já foi dito, lex orandi lex crendendi e o Rito que expressa nas suas orações aquilo a que a Fé, divina e católica, exige que assintamos reiterada vezes é o Rito Gregoriano, Rito da Igreja de Roma.

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Notas

[1] Isso é verdade em partes. Se levarmos em conta o CVII e sua reforma a verdade é que no Ocidente da Igreja (ou do que oficialmente é visto como a Igreja) se celebra não o Rito Gregoriano, mas o Rito de Paulo VI. É bem verdade que os modernistas chamam a “Missa Nova” de Rito Romano — afinal ele foi feito em Roma — por isso preferimos usar o termo Rito Gregoriano ao falar da “Missa Trindentina”.

[2] É importante chegar a uma conclusão sobre o que é um Rito ou o que o determina. A essência do Rito, segundo consenso dos liturgistas reside no Ofertório  e  no  Canon  (ou Anáfora para os Orientais). Esse argumento encontra eco e se harmoniza com o que os moralistas ensinam sobre o preceito dominical.
Além disso, para reforçar a tese acima temos o nome da grande oração sacerdotal na qual é confeccionada a Eucaristia: Canon Missæ (regra da Missa).
Algumas Liturgias recebem o nome de Rito, mas na verdade não possuem a diferenciação citada acima e, por isso, seria mais apropriado chamá-las de Uso.
Uso, então, não é um Rito em si, mas uma variação do Rito, com diferenças menores ou acidentais em relação ao Rito base. Este é o norte que nos faz diferenciar Rito de Uso.

[3] Alguns Ritos Ocidentais foram extintos naturalmente ou forçadamente. A maioria dos Usos do Rito Romano foram obrigatoriamente extintos pela Bula Quo primum tempore do Papa São Pio V.

[4] Isso pode ser comprovado pela análise do Rito Lionês, que usa o Canon Romano com pequenas modificações. Como será comentado na nota posterior, o Rito Galicano não tem no coração de sua Liturgia o Canon Romano, mas uma Anáfora oriental.

[5] Uma ramificação da Igreja Ortodoxa Russa pediu que a Divina Liturgia de São Germano de Paris (Rito Galicano) fosse seu Rito próprio. Essa Liturgia foi abençoada pelo Patriarca Sérgio de Moscou, aprovada pelo metropolita de Nova Iorque Anastácio e saudada pelo Patriarca Ecumênico Atenágoras I, de Constantinopla.

[6] O Rito restaurado que falamos na nota acima usa o pão fermentado como ordinário dos Ritos Orientais.

[7] Decidimos tomar como verdade que o Rito Ambrosiano é um uso do Galicano, ao menos do Rito Galicano romanizado, pois ele tem um canto próprio diferente do gregoriano (o que mostra raízes diversas), mas utiliza como Anáfora o Canon Romano.

[8] Durante o pontificado do antipapa Wojtyla (João Paulo II) o Rito Moçárabe sofreu uma reforma que, óbvia e infelizmente teve como norte o Novo Rito. A Igreja Espanhola Reformada Episcopal, pertencente à comunhão anglicana, também usa o Rito Hispânico.

[9] Muitos desses fiéis se decepcionaram com o anglicanismo e pediram a plena comunhão com a Igreja Católica pela deturpação da Igreja Anglicana em aceitar mulheres como ministras e acolher o casamento homossexual.

[10] Nas tratativas entre essas paróquias e o Vaticano, foi permitido que ministros protestantes de tradição anglicana fossem aceitos pela Igreja Católica e ordenados, mesmo se casados. Depois, em 2009 o antiapapa Ratzinger promulgou uma Constituição Apostólica que permitiu que esses fiéis (em sua totalidade residentes nos EUA) organizassem-se em ordinariatos pessoais (antes estavam submetidos às dioceses em que estavam inseridos).

[11] O critério que foi usado pelo Papa foi de abolir qualquer Rito que tivesse menos de 200 anos de existência a conta da data da Bula Quo primum tempore de 14 de julho de 1570.

2 respostas em “INTRODUÇÃO AO RITO (PARTE 2 DE 2)

  1. Karlos, tenho duas dúvidas a respeito do rito dominicano. Certa vez vi um vídeo em que o padre, em determinada altura do ritual, osculava o cálice, você pode me confiar a existência de tal rubrica? Há também uma espécie de prostração antes da comunhão, correto?

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