
Uma confusão bastante comum que ocorre nos temas relacionados à Missa é entre os termos Liturgia, Rito e Missa. Então antes de mergulhar nos detalhes sobre a Liturgia Romana é necessário esclarecer esses termos.
Assim, conceitua-se:
- Liturgia ⇒ culto público que a Igreja presta a Deus Nosso Senhor;
- Rito ⇒ conjunto de regras que organizam as cerimônias da Liturgia;
- Missa ⇒ atualização incruenta do Sacrifício do Calvário.
Este texto tratará sobre a Liturgia e seus critérios norteadores, os quais se verão em cada Rito católico.
Liturgia
Liturgia é uma palavra que vem do grego leitourgía (função ou serviço público). No serviço religioso então diz respeito a todos os atos públicos da religião: a celebração dos Sacramentos e sacramentais, o Ofício Divino e, por excelência, a Santa Missa [1].
Tem a Liturgia por escopos principais glorificar a divindade pela manifestação da Sua majestade e honrar a Deus pela reverência e prosternação da criatura a Seu domínio. Isso é manifestado em três fins específicos do culto: latrêutico, ou de adoração; eucarístico, ou de agradecimento; e impetratório, ou de súplica [2].
- O adorador cala-se, funde-se, apaga-se, abisma-se na presença do Ser que adora, confessando que o Objeto do seu culto tem todas as perfeições, todos os direitos, todo o Ser, enfim; de tal modo que, comparado com Ele, tudo o mais é como se não existisse.
- Os agradecimentos das criaturas são os elos de ouro que vão encadeando, num rosário sem fim, os inúmeros dons da liberalidade divina.
- Inclinado, dobrado — supplex — diante da majestade divina, o homem pede. A sua súplica é a confissão da própria indigência e o reconhecimento da munificência dum Deus Benfeitor [3].

O escopo primário da liturgia é prestar o culto de latria a Deus
A fim de manifestar tanto a finalidade geral como as específicas, a Liturgia é em si mesma simbólica (representa por sinais algo existente na realidade), em relação a Deus é latrêutica (são, no Rito Romano, ao menos 12 genuflexões, 47 sinais da cruz, afora as inclinações de corpo e de cabeça etc.) e quanto a nós, estética (o fervor e a piedade crescem com a pompa das cerimônias, número de ministros, preciosidade dos paramentos etc.) [4].
Num domingo, eu (São João Evangelista) fui arrebatado em êxtase, e ouvi, por trás de mim, voz forte (…) voltei-me para saber que voz falava comigo. Tendo-me voltado, vi sete candelabros de ouro e, no meio dos candelabros, alguém semelhante ao Filho do Homem, vestindo longa túnica até os pés, cingido o peito por um cinto de ouro (Ap 1,1ss).
Ao redor havia vinte e quatro tronos, e neles, sentados, vinte e quatro Anciãos vestidos de vestes brancas e com coroas de ouro na cabeça (Ap 4,4).
Adiantou-se outro Anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos perfumes, para que os oferecesse com as orações de todos os santos no altar de ouro, que está adiante do trono (Ap 8,3).
Eu vi ainda uma nuvem branca, sobre a qual se sentava como que um Filho do Homem, com a cabeça cingida de coroa de ouro e na mão uma foice afiada (Ap 14,14).
Os sete Anjos que tinham os sete flagelos saíram do templo, vestidos de linho puro e resplandecente, cingidos ao peito com cintos de ouro (Ap 15,6).
Ainda sobre a preciosidade dos paramentos e dos objetos litúrgicos, inspirados nas Sagradas Escrituras, fala o Cura de Ars: “Vejam o Santo Padre: vestido como um rei, mas humilde como um camponês” (São João Maria Vianney).
São esses elementos — manifestar a glória de Deus pelos símbolos, adorando-O, agradecendo Seus subsídios para implorar Seus socorros, assim como mover a alma à contemplação de Sua magnificência — que se encontrarão em todas as famílias litúrgicas da Igreja Católica. Isso tentaremos mostrar no próximo texto sobre os Ritos Católicos pelas origens de cada Rito, assim como por fotos das celebrações de suas Liturgias.
Sacrifício
Tendo em mente o fim primeiro da Liturgia é adorar ao Criador nas cerimônias, nos paramentos e objetos, existe, entretanto, um ato intrínseco de adoração que, mesmo feito sem ricas solenidades é, em si, o ato supremo de latria: o sacrifício.
Sacrifício é a destruição de algo ou, para os racionais, a humilhação de si e o rebaixamento da vontade (oblação) oferecido a Deus a fim de reconhecer Seu senhorio sobre tudo. As Escrituras mostram essa verdade no Gênesis quando os irmãos Caim e Abel ofereceram seus sacrifícios para agradar a Deus (cf. Gn 4,3ss).
Pelo texto sagrado sabemos que o sacrifício de Abel foi aceito por Deus e o de Caim, por outro lado, rejeitado. O plácito dado por Deus a Abel tem duas razões:
- o sacrifício de Abel era simbolicamente superior, pois que imolou uma ovelha, tornando o sacrifício cruento, figura do sacrifício de Cristo;
- Abel tinha disposição interna mais nobre que a do irmão, uma vez que deu o que tinha de melhor (a melhor ovelha).

Deus aceita o sacrifício de Abel e rejeita a oferta de Adão
Caim, apesar de simbolicamente ter oferecido algo inferior (ofereceu frutos), poderia ter seu sacrifício aceito se o fizesse com boa disposição porque o ato de culto ali prestado era feito por ele através dos frutos ofertados. Como dito acima, dos racionais, exige-se «a humilhação de si e o rebaixamento da vontade».
*
Terminada a pequena explicação sobre a natureza e o fim da Liturgia, o próximo texto tratará sobre os Ritos litúrgicos para, enfim, terminar a parte introdutória do pequeno curso de Liturgia.
________________
Notas
[1] Por sacramentais se entendem todas as bênçãos que estão previstas no Ritual Romano, os exorcismos, as litanias e procissões. Ofício Divino são as orações que os clérigos maiores e alguns religiosos são obrigados a dizer em vários momentos do dia (sete vezes) e na noite (uma vez).
[2] Aqui falamos dos fins gerais do culto público. Veremos mais a frente, existe ainda outro fim mais útil para nós, como se responde na Missa ao Orate, fratres do padre.
[3] Poderia o leitor perguntar-se como um culto de súplica poderia ser um ato de adoração.
[4] De maneira alguma, portanto, a preciosidade dos paramentos, dos objetos e do templo em si devem ser vistos como fonte de impiedade ou luxo por parte da Igreja ou do clero. Tal afirmação é exatamente a tese herética dos luteranos, jansenistas e do sínodo de Pistoia.