SEMANA SANTA: VIGÍLIA

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Continuamos a série de traduções dos textos do padre Cekada acerca da Semana Santa (anteriores aqui: Domingo de Ramos, Ofício de Trevas, Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa). Texto original aqui.

Tradução por Karlos Guedes.

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Vigília Pascal de 51 de Bugnini: “Primeiro Passo” para o Novus Ordo

 

OS LEIGOS que frequentam as Missas oferecidas sob os auspícios do Motu Proprio Summorum Pontificum de Bento XVI ou organizações como a Fraternidade São Pio X têm a impressão de que os ritos que vêem ali representam o ápice da tradição litúrgica católica pré-Vaticano II vis-à-vis a Nova Missa de Paulo VI. No caso da Semana Santa, no entanto, essa impressão é falsa, porque esses grupos usam o Missal de 1962. Este Missal incorpora um grande número de mudanças litúrgicas que foram introduzidas na década de 1950 e que preparou o caminho para o Novus Ordo.

Esta conexão entre as mudanças na Semana Santa da década de 50 e o Novus Ordo (obra do mesmo homem, Annibale Bugnini) é particularmente evidente nos ritos da Vigília Pascal, que sofreu modificações experimentais substanciais em 1951. Estas foram permanentes, em 1955, no Ordo reformado para a Semana Santa, incorporado ao Missal de 1962.

O Sábado Santo, como a Sexta-Feira Santa, era originalmente um dia em que nenhuma Missa era oferecida. Em vez disso, durante a noite do Sábado Santo ao Domingo de Páscoa, a Igreja matinha uma longa vigília. Os fiéis vigiavam a noite inteira na igreja, assistiam à solene administração do Batismo aos catecúmenos adultos e aguardavam a celebração da primeira Missa da Páscoa, que concluía a vigília na manhã de Páscoa.

Quando o cristianismo triunfou em todo o mundo, havia menos conversos adultos para serem batizados, de modo que o interesse em assistir à grande Vigília diminuiu. Isto, juntamente com várias relaxações na lei do jejum, levaram, no século XI, a antecipar gradualmente a cerimônia da Vigília no próprio sábado, até que finalmente começou a ser observada na manhã do Sábado Santo.

Nas décadas de 1930 e 1940, vários bispos “progressistas” na Europa repetidamente pediram permissão à Santa Sé para celebrar a Vigília Pascal na noite do Sábado Santo. “Razões pastorais” foram apresentadas para a mudança no horário (as cerimônias do sábado de manhã não tinham boa frequência de fiéis), bem como a “autenticidade” (as orações falam de “esta noite”) ─ novamente, as justificativas repetidamente dadas pelos reformadores do Vaticano II.

Em fevereiro de 1951, a Santa Sé emitiu um decreto que permitiu, experimentalmente e por um ano, a celebração da Vigília Pascal na noite do Sábado Santo. Mais uma vez, simplesmente permitir uma mudança de horário não teria sido pontualmente censurável.

Mas Bugnini e companhia, que desde 1948 controlavam a comissão do Vaticano para a reforma litúrgica, aproveitaram a ocasião para introduzir mudanças nos próprios ritos. Tão secreto foi o trabalho de sua comissão sobre este projeto, disse Bugnini, “que a publicação do Ordo reformado para o Sábado Santo, no início de março de 1951, pegou de surpresa até mesmo os integrantes da Congregação dos Ritos” (Annibale Bugnini, La Riforma Liturgica: 1948-1975 [Roma: CLV 1983], 25).

A Vigília Pascal de 1951 foi a primeira brecha que os modernistas tiveram para destruir a liturgia, e eles fizeram na maior parte dela.

A surpresa dos superiores (teóricos) de Bugnini parece refletir-se no conteúdo do decreto pelo qual a Congregação promulgou a reforma; dedicou-se principalmente a discutir a mudança no horário, e menciona, quase como uma explicação posterior, “as rubricas que se seguem” (ver Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos Dominicae Resurrectionis Vigiliam, 9 de fevereiro de 1951, AAS 43 [1951], 128-9).

Mas essas mudanças nos ritos da Vigília eram, de fato, bastante extensas. Foram incorporadas permanentemente ao Ordo reformado para a Semana Santa promulgado em 1955 e depois ao Missal de João XXIII de 1962. Aqui está uma lista das principais mudanças:

  1. As orações de bênção para o fogo da Páscoa foram reduzidas de três para uma.
  2. Uma nova cerimônia para abençoar e inscrever o círio Pascal foi introduzida.
  3. A vela tripla (ricamente simbólica da Trindade e da Encarnação) usada para trazer o fogo da Páscoa para a igreja foi abolida.
  4. O clero e as pessoas devem levar velas.
  5. As magníficas profecias do Antigo Testamento contando toda a história da Redenção são reduzidas em número de doze para quatro (tanto para dar a Escritura para o povo…)
  6. O celebrante senta e escuta as leituras. As rubricas indicam que estas podem ser feitas em vernáculo.
  7. O celebrante canta a Coleta na sedília, e não no altar (mais uma vez, pense na cadeira do presidente ao estilo Novus Ordo).
  8. Uma pausa para a oração é introduzida após Flectamus genua (Ajoelhemo-nos) nas orações.
  9. A água batismal é abençoada no santuário, de frente para o povo (em vez de no batistério), e levada para o batistério em uma banheira.
  10. A Litania dos Santos é dividida em duas e abreviada.
  11. Todos os presentes recitam uma “Renovação das promessas batismais” na língua vernácula ─ a primeira vez que o vernáculo é explicitamente permitido como parte integrante de um rito litúrgico.
  12. As Orações ao pé do Altar são retiradas em sua totalidade da Missa, como o Último Evangelho.

Bugnini e companhia retrataram tudo isso como uma restauração da antiguidade, assim como o fariam para o Novus Ordo. Mas sua reivindicação em 1951 era igualmente falsa.

Por exemplo, nos tempos antigos os cristãos passavam a noite inteira na igreja. Assim, o número de leituras na “restauração” de 1951 deveria ter sido triplicado para, digamos, trinta e seis profecias, em vez de reduzido aos quatro que Bugnini deixou.

Leigos segurando velas acesas? A cera nos tempos antigos era uma mercadoria preciosa, e os leigos contribuíam com velas para igreja como ajuda [financeira]. Na igreja primitiva, distribuir velas para leigos para as acender seria como eu entregar notas de vinte dólares aos meus paroquianos suburbanos, dizendo-lhes para queimá-las durante a cerimônia. É improvável.

De fato, entretanto, na Vigília Pascal de 1951, vemos alguns princípios e práticas que, dezoito anos mais tarde, serão impostos de forma geral no Novus Ordo Missæ de Paulo VI:

  1. Ritos abreviados (três orações de bênção para uma, doze profecias para quatro).
  2. Inventar novos ritos (inscrição do círio, pessoas carregando velas, renovação das promessas batismais).
  3. Voltar-se para o povo nas cerimônias (para abençoar a água batismal).
  4. Reduzir as ações do sacerdote (ele se senta e escuta).
  5. Arrancar partes do ordinário da Missa (Orações ao pé do Altar, Último Evangelho).
    1. Recitar orações litúrgicas na língua vernácula (as lições da Vigília e as promessas).

Por isso, é fácil entender por que Bugnini proclamaria, em 1955, que a Vigília pascal de 1951 era “o primeiro passo para uma renovação litúrgica geral” (A. Bugnini e C. Braga, Ordo Hebdomadæ Sanctæ Instauratus Commentarium, Roma, Edizioni Liturgiche, 1956) , 5).

Assim, sempre que você assistir a uma Vigília Pascal no Sábado Santo conduzida de acordo com o rito de 51/55/62 de Bugnini, você está testemunhando com seus próprios olhos o primeiro passo para o Novus Ordo.

Que Deus conceda um dia que os ritos tradicionais da Semana Santa sejam restaurados por toda parte!

3 respostas em “SEMANA SANTA: VIGÍLIA

      • Como disse, D. Alcuin Reid, nas palavras do próprio Cekada, afirma que embora ele participasse das comissões não era influente.

        O fato, puro e simples, é que as reformas foram universalmente bem recebidas pelo clero e pelo povo. A tendência atual de contestá-las tem um indubitável espírito de arqueologismo litúrgico, ou seja, no fim das contas Bugnini e certos tradicionalistas parece que se unem nos argumentos.

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