RCC E AS LÍNGUAS

missa-cura

Já publicamos dois textos que falam sobre os problemas da RCC. O primeiro abordava teologicamente o que vem a ser os carismas e conclui, com os teólogos, que não se deve almejá-los. O segundo, um sermão do Papa São Gregório Magno, que, obviamente, segue o mesmo raciocínio.

De fato, o dom das línguas existe:

A outro, o dom de milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas (I Cor 12,10).

Nesta publicação, pegaremos os textos exaustivamente usados pelo movimento como justificativa de suas doutrinas heterodoxas. São eles: I Cor 12,28ss, também todo o capítulo 14 e Rm 8,26.

No primeiro está escrito: “Na Igreja, Deus constituiu primeiramente os Apóstolos, em segundo lugar os profetas, em terceiro lugar os doutores, depois os que têm o dom dos milagres, o dom de curar, de socorrer, de governar, de falar diversas línguas. São todos Apóstolos? São todos profetas? São todos doutores? Fazem todos milagres? Têm todos a graça de curar? Falam todos em diversas línguas? Interpretam todos?” (I Cor 12,28ss).

São João Crisóstomo, Padre e Doutor da Igreja, sobre esta passagem afirma:

Vês onde coloca esse dom, sempre lhe destinando o último lugar? (Homilias sobre a primeira Carta aos Coríntios, 28, destaque nossos).

Mas é exatamente em I Cor 14 que São Paulo fala sobre o carisma das línguas: “Aquele que fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus: ninguém o entende, pois fala coisas misteriosas, sob a ação do Espírito. Aquele, porém, que profetiza fala aos homens, para edificá-los, exortá-los e consolá-los” (I Cor 14,2s).

Fala aos homens, diz o frei Haydock porque “aquele que fala em uma língua que outros não entendem e que às vezes (talvez pelo versículo 14 e 15) ele mesmo [São Paulo] que fala em línguas, não entendeu, só pode dizer senão para falar a Deus”. “Em uma língua”, ou seja, numa língua conhecida, mas que nem aquele povo nem mesmo São Paulo entendia. Essa ideia é reforçada por São João Crisóstomo:

Por fim, compara os carismas e diminui o dom das línguas. Isso porque muito se orgulhavam de tê-lo [o dom das línguas] porque o consideravam um grande carisma. Isso porque foi o primeiro que os Apóstolos receberam. Entretanto não era mais importante que os outros. Por que então os Apóstolos o receberam em primeiro lugar? Porque haveriam de atravessar todas as partes do mundo. Como no tempo em que foi construída a torre de Babel, a língua que era uma só se dividiu em muitas, assim agora que eram muitas, frequentemente se concentravam num só homem, que falava as línguas dos persas, dos romanos e dos indianos e muitas outras, ecoando nele o Espírito (Ibidem, 14,3, destaques nossos).

Mais abaixo fala São Paulo: “Por isso, quem fala em línguas, peça na oração o dom de as interpretar. Se eu oro em virtude do dom das línguas, o meu espírito ora, mas o meu entendimento fica sem fruto” (I Cor 14,13s). Os membros da RCC entendem que nesse versículo está a prova cabal de que as línguas às quais o Apóstolo se refere são as “línguas dos Anjos” [1].

Haydock insiste no mesmo ponto que o anterior: “O termo ‘sem fruto’ pode significar ‘sem lucro para os outros’, pois, embora alguns possam entender, às vezes se fala o que os ouvintes não entendiam”. E, mais uma vez, o Arcebispo de Constantinopla:

Viste que não apenas é inútil [o carisma das línguas] aos outros, mas também a si mesmo porque o seu entendimento “fica sem fruto”. Com efeito, se alguém falar somente a língua dos persas, ou outra estranha, sem saber o que profere, certamente será um bárbaro não apenas diante do próximo, mas até para si, porque desconhece o sentido da palavra. Antigamente, havia muitos que tinham o dom da oração juntamente com o das línguas. Ao orar, a boca falava o idioma dos persas ou romanos, a inteligência, contudo, não percebia o que se dizia. Por isso declara o Apóstolo: ‘Orarei com o espírito, mas orarei também com o entendimento’. Isto é, o carisma move a língua, mas ‘o meu entendimento fica sem fruto’ (Ibid., destaques nossos).

Passemos agora para a perícope de Romanos: “O Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26). São João Crisóstomo dá a interpretação precisa:

Palavra obscura, porque muitos milagres que então se realizavam já cessaram. Por este motivo precisamos vos ensinar quais eram as condições de vida, e por fim será mais compreensível. Quais as condições? Deus então concedia aos batizados vários carismas, denominados espíritos. Um tinha o carisma da profecia e prenunciava o futuro; outro o da sabedoria e ensinava a muitos; outro o dom das curas e curava os doentes; outro o dos milagres e ressuscitava os mortos; outro o das línguas e utilizava diversos idiomas. No meio de todos estes, existia o carisma da oração, também denominado espírito. Visto que ignoramos muitas coisas úteis e pedimos coisas inúteis, recebia o carisma da oração um dos presentes, que de pé rogava pelo bem comum de toda a Igreja e instruía os demais. Neste trecho, portanto, ele denomina espírito a alma que o recebera, que suplicava a Deus e gemia. Pois, quem de pé com grande compunção e muitos gemidos espirituais recebia tal graça, prostrava-se diante de Deus e pedia o que era salutar a todos. Simboliza-o agora o diácono que profere preces em lugar do povo. Paulo o sublinhava dizendo: ‘O próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis’, vês aqui que não se trata do Paráclito, mas do coração do homem espiritual? Se assim não fosse, deveria ter dito: Aquele que perscruta o Espírito. Mas para que saibas que aqui se trata do homem espiritual que tem o dom de orar, acrescentou: ‘E aquele que perscruta os corações’ sabe qual o desejo do espírito; isto é, do homem espiritual; pois é segundo Deus que ele intercede pelos santos (Homilias sobre a Carta aos Romanos 8,26s, destaques nossos).

A clareza da homilia é tão límpida e cristalina que dispensa comentários. Igualmente outro exímio teólogo tem a mesma interpretação desses textos. O Doutor Comum ensina:

Cristo escolheu os seus primeiros discípulos para percorrerem o mundo pregando a Sua Fé a todos, como se lê no Evangelho: Ide e ensinei todas as gentes. Ora, não era conveniente que os enviados a ensinar os outros precisassem de ser instruídos por eles sobre o modo com que lhes houvessem de falar ou de lhes entender a língua. (…) Além disso os discípulos enviados eram pobres e sem poder; nem poderiam a princípio encontrar facilmente quem com fidelidade lhes interpretassem aos outros as suas palavras, ou lhas explicasse. Principalmente por terem sido enviados a povos infiéis. Por isso era necessário sempre a Providência vir–lhes em socorro com o dom das línguas. De modo que assim como as gentes, que caíram na idolatria, vieram a falar línguas diversas, segundo o refere a Escritura, assim também, quando foram convertidas ao culto de um só Deus, o dom das línguas vem a ser o remédio a essa diversidade (S.T., II-II, q. 176, a. 1, sol., destaques nossos).

Do texto acima é possível ainda aduzir uma interpretação espiritual quando Santo Tomás diz “quando foram convertidas ao culto de um só Deus, o dom das línguas vem a ser o remédio a essa diversidade”. Sugere, com isso, que a única língua seja a Fé una que todos os batizados têm, seguindo a interpretação de Santo Agostinho (Padre e também Doutor da Igreja):

As linguagens dos Apóstolos, suas pregações, não soaram apenas ali (em Pentecostes), mas ‘seu som repercutiu por toda a terra e em todo o orbe as suas palavras’. Por causa disso é que também nós cremos. Seu som percorreu por toda a terra, para que tu entres no céu. Assim se observa a conversão de todas as nações à Igreja, e a sua união em uma só Fé, todas com uma única linguagem ou confissão, é a perpetuação do mesmo milagre, de Pentecostes, na Igreja (Comentários aos Salmos, 18, II, 5, Sermão 188, destaques nossos).

Essa mesma ideia o Aquinate repete-a em outras obras: “Quanto ao dom de línguas, devemos saber que como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para pregar ao mundo a Fé em Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos se anunciasse a Palavra de Deus, o Senhor lhes deu o dom de línguas” (Comentário à primeira Epístola aos Coríntios, Tomo II, p. 178, destaques nossos).

Em outro momento:

Porém, os coríntios, que eram de indiscreta curiosidade, prefeririam esse dom [das línguas] ao dom da profecia. E aqui, por ‘falar em línguas’ o Apóstolo entende que em língua desconhecida e não explicada: como se alguém falasse em língua teutônica a um galês, sem explicá-la; esse tal fala em línguas. E também é falar em línguas o falar de visões tão somente, sem explicá-las, de modo que toda locução não entendida, não explicada, qualquer que seja, é propriamente falar em língua (Comentário à primeira Epístola aos Coríntios, Tomo II, p. 178s, destaques nossos).

Um outro abalizadíssimo comentador das Sagradas Escrituras, Cornélio a Lápide, explica:

[A interpretação das línguas diz respeito] a passagens obscuras, especialmente da Sagrada Escritura. Assim, havia anteriormente na Igreja intérpretes, cujo dever era quádruplo: (1) havia aqueles que, pelo dom das línguas, profetizavam ou cantavam hinos numa língua estrangeira; (2) aqueles que, inspirados pelo Espírito Santo, falavam de mistérios obscuros e profundos; (3) aqueles que publicamente expuseram as cartas de S. Paulo e de outros enviados ao seu povo; (4), aqueles que as traduziram para outra língua. Desta forma, muitos pensam que São Clemente traduziu a Carta aos Hebreus do hebraico para o grego. Disto parece que a Sagrada Escritura não é clara para todos, diferente daquilo que pensam os hereges [protestantes], que afirmam ser possível que as Escrituras sejam interpretadas por ideias privadas de qualquer um; contra isso, observe-se que Deus colocou intérpretes em Sua Igreja (Comentário à primeira Epístola ao Coríntios, 12, destaques nossos).

Em resumo, há dois sentidos possíveis para a expressão “falar em línguas”:

  • falar em língua desconhecida, porém existente [2];
  • falar algo obscuro ou sobre símbolos.

 

Contudo em nenhuma deles se infere a interpretação dada pela RCC, o que se pode concluir como nova e heterodoxa, devendo-se, obrigatoriamente, evitar qualquer contato com esse movimento de cunho totalmente protestante. Isso dizemos em total concordância com o princípio usado e ensinado por São Vicente de Lerins, Padre da Igreja:

O que sempre, por todos e em todos os lugares foi crido, isso é católico (Comonitório).

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Notas

[1] Um romantismo tremendo porque os Anjos não falam, não têm língua. Para uma melhor compreensão sobre a natureza angélica dispõe-se dois textos: itens 2 e 3 desse texto e este outro.

[2] Foi o que ocorreu no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos. No relato, a Escritura afirma que São Pedro falou e foi entendido por todos os presentes que, devido à festa, eram oriundos de vários locais do mundo. Se discute, segundo o frei Haydock, se os Apóstolos falavam apenas a sua própria língua e o milagre consistiria em entendê-la como se falassem em sua linguagem ─ São Gregório de Nazianzo defende essa ideia ─ ou, como Santo Agostinho e muitos outros Padres, se os Apóstolos falavam literalmente as línguas. É certo, porém, que eles não tinham sempre a manifestação desse dom em todas as ocasiões (à exceção, talvez, de São Paulo), nem em todos os assuntos e por isso às vezes precisavam de intérpretes.

3 respostas em “RCC E AS LÍNGUAS

  1. Tudo muito simples , como os dons da língua é simples. Para quem recebeu os dons da língua, como eu recebi no meu pentecoste, não precisei inventar nada. Pois o Espírito Santo orou em minha língua e eu apenas fui instrumento do Senhor.Sobre gemidos a mesma coisa.Em determinado momento de minha oração , eu não sabia que iria passar por um período de provação, então o Espírito orou em gemidos e me deu a interpretação dizendo; Senhor, tenha dó e compaixão dele.Por isso não julguemos os dons do Espírito e sim aceitemos com gratidão.

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